segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Vou lembrar-me de si

Não repararam certamente, mas eu gosto muito do tempo. Apaixonei-me por ele. Ainda garoto. Não sei bem porquê. Desconfio. Uma loucura, como todas as paixões.
Depois fui-lhe ganhando amor. E misturei-me nele. Quase o humanizei a ele; e ele a mim quase me tornou fragmento candente do tempo. Mas a paixão por ele continuou, paralela ao amor, embora este tenha atingido em nós uma comunhão mais depurada e firme.
Agora somos amigos, duma amizade temperada pela ternura de nos aceitarmos, caminhando juntos num breve percurso comum, sabendo agora que nem eu o quero humano, nem ele a mim me que desumano.
Sim. Há uma gradação absurdamente ascendente bela, que passa de paixão a amor, sem perder aquela, e do amor à amizade, sem perder paixão e amor. Mas isso é uma outra história.
Indo directo ao assunto, só vim aqui dizer que gosto do tempo. Dito isto, posso também dizer-lhes que vivo intenso momentos simbólicos de passagem do tempo. É o que vai acontecer hoje.
Como toda a gente terei o meu jantar. Vou comer e beber tranquilo de tudo o que é bom. Pela noite fora. Como toda a gente. E, como toda a gente, cumprirei rituais de silêncios, de brindes, de abraços, de votos. Mas logo a seguir vou fazer o que sempre faço: sairei para o meio da minha vinha a pretexto de apanhar ar fresco. Mas não é bem isso: é para estar com o tempo; é para passear apalpando os passos que pousam no escuro; é para sentir na mão a madeira quente do cachimbo aceso; é para olhar para as estrelas e perder-me neste milagre que é a aparência de estar a vê-las, mesmo sabendo que as mais delas já não estão lá; e contá-las até, o que é uma transgressão, pois toda a gente sabe que nem todas as pessoas as podem contar; e sentar-me na esquina do tanque grande ouvindo a água a cair, ou no penedo grande e raso, que é de granito, tendo a noite por testemunha e cenário dos meus pensamentos, dos meus sentimentos.
Mas que interessa isto? Nada. Então por que o digo? Apenas para lhe dizer que faço como toda a gente na passagem de ano. Mas que não dispenso este momento intenso de recolhimento para estar a sós comigo, contemplando o tempo breve e o tempo para nós eterno. É um recolhimento que é quase oração.
Mas que é que isto interessa? Nada. Mas, mesmo assim, quero dizer-lhe que hoje, nesse tal momento, olhando os céus e o tempo, vou lembra-me de si que aqui vem, e vou pedir aos deuses que lhe dêem a si tudo o que houver de bem.
:-)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

BOM NATAL

O azevinho é uma vida: os seus ramos são os caminhos, que se vão sempre estreitando; os seus picos são os espinhos, que no caminho encontramos; o seu sempre verde é a esperança, que nos ampara no caminho; as suas pequenas bagas, feitas de ouro vermelho, são a ternura e o amor, que procuramos e achamos, nas beiras desse caminho, e do princípio até ao fim.
Que este natal lhe traga muitas pequenas bagas, feitas desse ouro vermelho.
:-)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Uma sinfonia de amor ao belo


Azáleas! Quem nunca as viu por aí luxuriantes, inundando canteiros, marginando caminhos, cobrindo valados, bordando parapeitos, enchendo de beleza singela um vaso à janela?
Gostam do que é muito: gostam do oxigénio e gostam do silício - os dois elementos mais abundantes na crusta terrestre -, o que as faz partilhar segredos em todos os reinos que a natureza tem; e diz-se até que a maior parte delas gosta das alturas.
Gostando assim do que é muito e tanto, assim se percebe a exuberância que exibem: nos caules e ramos que se entrelaçam indistintos, como se fossem um arbusto só; nas flores que apertadas se agrupam na ponta dos ramos, como se fossem uma flor apenas; na multiplicidade de cores, em escalas vaidosas de tons luminosos, como se fossem uma aguarela; nas vagas sucessivas de flores que, sendo diferentes, são do mesmo mar – umas em botão espreitando, outras namorando primeiros amores, outras já amando o sol e o fruto, outras já madurando a sabedoria, outras já murchando, outras já caindo.
Como é que as azáleas são tão natureza e aprenderam tanto? Como é que as azáleas aprenderam a entrelaçar as mãos, a agrupar as flores, a misturar as cores, sem barreiras bastardas entre gerações? Como é que as azáleas aprenderam que cada uma delas seria mais bela se inscrita na pauta duma sinfonia de amor à terra, de amor à espécie, de amor ao belo, de amor à vida?
Como é que as azáleas aprenderam tanto, e o homem não?

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O responso

Foi um destes dias. Estava uma tarde de inverno soalheira e linda. Pus-me lá no alto a vaguear pela vinha, que chamava por mim. Caídas as folhas, aquelas vides começam logo a reclamar de mim afagos de mão: não gostam de se expor desgrenhadas; querem-se aprumadas; querem-se penteadas. Não sei quem lhes disse, mas elas sabem bem, que, a partir de sexta-feira, solstício de inverno, os dias já crescem e o sol já caminha para ângulo mais alto, e elas sabem-se de novo meninas à espera do noivo que está para vir.
Estava eu nestas conversas íntimas entre mim e elas, quando me sento, sem saber porquê, naquela laje de granito, por debaixo do carvalho grande, abrigada do tempo. Batia-lhe o sol. Fiquei ali pensando. E foi então que me lembrei das muitas vezes em que duas velhinhas me contavam histórias, sentadas naquele mesmo penedo raso, no verão à sombra, no inverno ao sol.
Numa dessas muitas, sei que discutiram. E discutiram muito, pois que cada uma contava a mesma história, com as mesmíssimas palavras. Mas acontecia que - ora na versão de uma, ora na versão da outra -, algumas palavras mudavam de sítio, sem que se alterasse nada. Que não podia ser - dizia uma e outra -, acrescentando sempre que a outra não sabia nada. E eu que dissesse quem tinha razão -, diziam depois .
Vi-me e desejei-me para dispor as exactas palavras que elas ambas diziam, sem acrescentar nenhuma, sem retirar nenhuma , e mantendo o ritmo de ladainha -, que, quando as mudava elas logo em coro diziam contra mim, que assim não valia. Depois de muito teimar, eu lá consegui que elas dissessem que assim talvez.
Disse-lhes, então, que me ia embora, mas elas não deixaram, dizendo à uma: - Temos que rezar a oração todos os três juntos que é para ver se ficou como é. E lá rezámos uma, e não estava bem; e lá rezámos duas, e não estava bem; e lá rezámos três, e não estava bem.
Eu já não podia mais e barafustei: - Então as palavras não estão bem?; - As palavras estão. Tu é que não as dizes bem! Tu és muito esperto, mas há certas coisas que são como são.
Eu, cabeça dura, só nesse momento é que percebi que aquilo não era história, mas sim oração - que se chama responso -, e que eu tinha de dizer as palavras exactamente como elas as diziam. E, então, recomeçámos, nós todos três à uma, e em ritmo cantante de ladaínha:

Sant'Antone de Lisboua
Se bestiu e se caurçou
O Senhor l'aperguntou:
- Tu, Antone, adonde bais?
- Eu, Senhor, cumbosco bou.
- Tu comigo num irás!
Tu na Terra ficarás!
Q'antas missas se disser,
Q'antas tu ajudarás,
Q'antas cousas se perder,
Q'antas tu incuntrarás.

(Padre nosso e Avé Maria)

Repetimos tudo outras três vezes, que dito assim já estava bem, e se já estava bem já era oração, e se já era oração tinha que ser como era, e era três vezes, incluindo sempre o Pai Nosso e a Avé Maria inteirinhos, e sem enganos. Assim mo disseram elas. E assim se fez.

sábado, 15 de dezembro de 2007

O que a voz me disse

Afinal, as Peles não conseguiram acabar aquele texto que falaria de arte. Tinham já o esboço de como o texto seria - que é o mais difícil-, mas fui eu, o Tempo, que o desenhei, e fui eu que deixei que elas mo roubassem. Escreveram aquela peimeira frase, o que já não foi mau. Mas, imprudentes, peometeram que continuariam o texto, logo de seguida. Não se lembraram que sem a minha ajuda - diga-se e repita-se, para quem não saiba, sem a ajuda do Tempo - elas não conseguem nada.
Ora eu, o Tempo - logo que elas fizeram aquela promessa insensata -, carreguei com calma uma cachimbada, e peguei num copo - que tem uma escrita antiga -, e numa garrafa com uma forma apurada, que é de reserva, e de malte puro - mas não digo mais nada, a não ser que me paguem a publicidade -, e sentei-me à lareira, com um cesto cheio de canhotas secas ao lado, e escolhi uma música - clássica, já se vê -, e embrenhei-me adentro do cachimbo e copo, e da garrafa e lenha, e do crepitar das chamas, e das formas e cores que elas desenhavam, e de outras formas e de outras cores que eu via nelas, e da mísica funda que me comovia, e deixei-me estar, e deixei-me ficar, e o tempo passou, sem que eu o visse.
Era madrugada e alevantei-me. Eu estava tão bem. E pensei cá para mim: - Vou-me às Peles, para as ajudar a acabar aquilo. E depois pensei: - Pensando melhor, ele há lá arte que eu possa agora escrever, que seja mais arte do que aquela que eu estive agora a viver? E logo respondi: - Não, não pode haver. E a seguir hesitei: - A não ser que me deite e sonhe.
Fui, então, deitar-me e dormir e sonhar. Mas não lhe conto o sonho, que foi de arte maior, embora lhe possa dizer que foi muito parecido, com os sonhos que você sonha.
No fim do sonho, quase ao acordar, uma voz me disse para vir aqui, não para lhe dizer isto que lhe disse, mas para culpar as Peles por não terem cumprido o que prometeram. E para lhe prometer que eu, o Tempo, as vou obrigar a cumprir a promessa - a bem ou a mal.
Foi o que a voz me disse. E como já lhe disse o que ela me disse, vou-me embora agora, mas volto mais logo, para o sossegar quer quanto ao macaco, quer quanto àquela coisa dos computadores.
Até logo, sim?
:-)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Mas tudo isto para quê?

Não sei quem me visita. Conheço apenas duas ou três pessoas. E dessas, só uma é que cá vem mais amiúde. Já devem ter percebido isso.
Eu também já percebi que há pessoas que vêm aqui, e que me conhecem, mas eu não sei quem são; e também já percebi que algumas pessoas, quer me conheçam ou não, aparecem umas vezes com um nome, outras vezes com outro. Quer umas quer outras, fazem muito bem, e eu agradeço sempre a visita que me vêm fazer.
Mas tudo isto para quê? Para lhes dizer que tenho a impressão que vem cá pouca gente; e que acredito que quem por cá passa, uma vez ou outra gosta de passar.
Mas tudo isto para quê? Para lhes dizer que não escrevo especificamente para o grupo a, ou para o grupo b, ou para o grupo c; escrevo para todos, e principalmente para mim.
Mas tudo isto para quê? Para lhes dizer que vou mudando temas, que vou mudando formas, que contando histórias sem preocupações de serem mais assim ou serem mais assado.
Mas tudo isto para quê? Para lhes dizer, em tom de ameaça, que vou deixar nas Peles um texto cujo tema é a "Arte". Mas tudo isto para quê? Para os convidar a irem às Peles cheirar esse texto, mas para o não lerem, para depois não dizerem que eu sou um chato. Olhem que eu chateio-me!
Eu estou a avisar, ora não estou?
:-)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Os segredos da maçã

A fotografia em baixo deveria ter texto e título. Título parece que já o tem, embora não definitivo; textos também já tem, na forma dos comentários. Aproveitem para os ler.
Mas hei-de voltar a ela, a esta fotografia. E dar-lhe-ei o seu título, e dar-lhe-ei o seu texto, que não poderá ser longo. É que fui eu que a tirei, mas não lhes digo aonde. Ela tem aqueles segredos que se vêem e se ouvem, que se cheiram e se afagagam, e que têm o sabor inteiro daquela primeira maçã. Só quem não sabe os não vê, a eles, a esses segredos; (Oh, diabo, parece que já encontrei o fio para o tal texto; mas fico-me por aqui).
Agora vou passar à frente, começando por fazer aquilo que já devia ter feito: ler com a devida atenção os comentários que aqui deixaram, e aos quais não dei resposta.
É o que irei fazendo.
E se eu lhe deixasse aqui um "Bom dia" só para si?

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Vou ter que lhe dar uma coça

Eu lamento muito, mas vou ter de dizer que o texto ali nas Peles - Onde é que está o quê? -, foi copiado pelo macaco. Mas eu já lhes conto.
Discutiu comigo, e até fez birras , exigingo coisas: que eu continuasse a dar-lhe vida, contando as suas aventuras; e que, nessas aventuras, ele fosse herói, como eu bem sabia. Eu disse-lhe que não, e que a culpa era só dele pois, mal lhe dei vida, ele saltou dessa vida para fora, e foi viver outra história, tecida de amores à primeira vista; e que, só por causa disso, até se tornou activista, agitador e grevista, obrigando-me a mim, cidadão pacato, a corrrer atrás dele, para o proteger.
Ele protestou rebelde que era um cidadão, com direito ao amor, e com responsabilidades cívicas; e acrescentou, suspirando, que eu nunca poderia entender isso. Mantive-me inflexível:- Não e não e não! E ele, regateiro, batendo com o punho na mão: - Sim e sim e sim! E, então eu, mais teimoso que ele: - Não e não e não! Fino, ele conclui, numa ameaça velada: -Ai é, ai é, ai é?
Então saiu porta fora, fechando-a de mansinho, com um sorriso nos lábios, que era mais que manhoso. Eu fingi que não vi nada. E ele subiu umas escadas com uns passos malcriados para eu os ouvir bem. Não demorou mais que minutos, e voltou logo a descer com uns passos mais ligeiros. Foi de novo ter comigo. Entreabriu a porta, meteu dentro só o focinho , e atirou-me de repente:
- O computador lá de cima leva um tempão a abrir; e a ligação da internete já não funciona outra vez.
Dito isto, foi recuando a cabeça, e foi fechando a porta, com um sorriso atrevido. E, mal a porta se fechou, soltou uma grande risada, que era toda ela escarninho. Aquilo era de mais. Eu saltei para o apanhar. Mas ele, mais ágil que eu, galgou de um golpe só o último lanço de escadas, fugindo, e dando-se ainda ao luxo de bater com estrondo a porta da rua.
Eu fui logo lá acima, para ver que malandrice é que ele tinha engendrado. O computador estava aberto; a internete ligada; e as Peles ali abertas com o "Onde é que está o quê?" chapado na primeira página. O ladrão tinha roubado ao Tempo o "Onde é que está o nada?", limitando-se apenas a escrevê-lo ao contrário. E teve a habilidade de acrescentar aquela nota no fim, só para disfarçar o roubo e criar mais confusão.
Eu fiquei ali pasmado. Mas o telefone tocou e eu tive de atender. Disse educadamente o meu nome. E foi então que do lado de lá ele disparou de rajada, não me deixando falar:

- Sou eu! Já viste aquilo? É de mestre, ora não é? Não, não sejas parvo! Não é o poema que é de mestre, seu cabeça de alfinete! De mestre é a minha jogada, para te obrigar a fazer aquilo que que vais fazer: vais continuar com a minha história, inventando-me heroismos, como é justo e verdadeiro - ouviste, seu cabeça de alho chocho?; vais afirmar aqui que o "Onde está o quê?" é meu, que fui eu que o escrevi, e quem copiou o "Onde está o nada?" não fui eu mas foste tu; vais dizer, preto no branco, que eles são ambos meus - ouviste, seu cabeça de nabo?; depois vais também juntar os dois, de forma elegante e leve - ai de ti se não ficarem, ouviste, seu cabeça de burro?; se os juntares e se ficarem bem, eu, porque sou educado e honesto, vou deixar que escrevas uma nota dizendo que todo o produto é meu, e que a verificação ortográfica é tua, uma vez que ela é automática - ouviste, seu cabeça de porco?

Eu estava para explodir, quando ele deu outra risada, desligando-me o telefone na cara.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Onde está o nada? *

Onde está o nada, e no nada o tudo?
Onde está o tudo, e no tudo o deus?
Onde está o deus, e no deus o tempo?

Onde está o tempo, e no tempo o espaço?
Onde está o espaço, e no espaço o fogo?
Onde e está o fogo, e no fogo o ar?

Onde está o ar, e no ar a luz?
Onde está a luz, e na luz o brilho?
Onde está o brilho, e no brilho o mar?

Onde está o mar, e no mar o barco?
Onde está o barco, e no barco o homem?
Onde está o homem, e no homem o quê?
......
* Ver nota nas Peles.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

O gato que matou o cão

O gato que matou o cão foi um título sem história que deixei nesta página. Deixo-lhes agora a história que faz justiça ao título. É uma história que uma jovem, olhos pregados no chão, me contou baixinho, para que ninguém ouvisse. Disse-me que estava muito triste, mas para não me afligir, que não tinha sido nada com ela.
- O que é que foi, então? - Foi o meu gato que matou o meu cão. - Que matou o teu cão? Isso pode lá ser? - Pode! - O que queres dizer é que foi o teu cão que matou o teu gato, não é? - Não! Foi o meu gato que matou o meu cão. Ele era tão fofinho, e tão pequenino. - E quando é que isso foi? - Foi na quinta-feira passada. - E tu viste? - Não! Foi a minha mãe que me disse. - E disse-te quando? - No sábado passado, que eu só vou a casa no fim de semana. - E como é que foi? - Foi assim! Pelo menos foi o que a minha mãe me disse. Que estavam a brincar, e que o gato fez assim.
Quando a jovem disse "Foi assim!", recurvou os dedos hirtos, imitando garras, e raspejou-os rápidos no pescoço dela. E repetiu o gesto quando a seguir disse que a mãe lhe disse que "o gato fez assim". Eu disse-lhe que o gato pensou que o cão era um rato. E ela sorriu e disse, encolhendo os ombros:
- É! Bem decerto foi!
E foi-se sentar.

Algumas considerações

Não ensinaram, àquele cão inocente, a irresponsabilidade que é brincar-se com o perigo. Não ensinaram, àquele gato inocente, a irresponsabilidade que é não controlar os instintos primários. Mas se essa irresponsabilidade de não aprender é grande entre os animais, ela é muito maior, e de consequências mais graves, entre os homens, que se desresponsabilizam, com desculpas mil, da educação dos filhos, e os entregam a um ensino inócuo de sucessos forjados. E ficam contentes com esses sucessos, feitos de mentiras; ou então revoltam-se, se esse sucesso não é ainda o que querem na pauta; e protestam até, não contra quem devem, não para que se eduque, não para que se ensine, mas para que se dê a nota.
E vão escasseando, cada vez mais, os bons professores, que remam ainda contra a maré. Mas ainda os há. Eu conheço muitos.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Simpatia matinal

Acabei de responder agora aos comentários deixados nos textos Isso é impulso e Quem avisa amigo é.
E isso não foi impulso. Foi antes uma obrigação, ditada pela educação, que me deu muito prazer.
Se não tiver mais que fazer, faça o favor de os ler, que eu, desde já agradeço.
Desculpas pela demora. E faça o favor de viver um dia sem contrariedades; e não deite pela janela fora todos os pequenos prazeres que este dia lhe trouxer.
Ora agora digam lá, se não sou uma simpatia!
:-)

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Quem avisa, amigo é

Peço imensa desculpa, mas hoje não pude responder aos comentários aqui do Tempo. Fá-lo-ei muito em breve.
Gostaria também de os avisar que o Tempo anda zangado com as Peles. E ai de quem ele descubra que vai até às Peles para ler o que nelas está lá escrito.
Quem avisa, amigo é.
:-)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Isso é impulso

E se, de repente, você entrar aqui e não encontrar rastos recentes de mim, isso é impulso.
É o impulso que me leva a cumprir o meu dever de pão, e de apontar caminhos de pão; que me leva a vaguear por rua ou por praça a olhar sem ver, para descansar; que me leva sempre ao mesmo café para estar comigo, ou para ler, ou para escrever, ou para falar com quem queira falar; que me leva a correr para campos e montes, para não esquecer que, neste país, apesar de tudo, ainda há terra, e ainda há gente, que teima em viver; que me leva a outro lugar qualquer, a fazer outra coisa qualquer, que me dê forças para resistir, mesmo que passivo, a mandaretes autoritários que queiram fazer, do povo que sou, um povo imbecil, um povo indigente, um povo com medo, um povo impotente, como eles são.
Não vão conseguir. Esses senhores querem fazer crer que a legalidade da eleição e da nomeação lhes dá competência também. Mas sabem bem que não. Não vão conseguir. Hipócritas que são, esses senhores, principalmente os menores, os mais paus-mandados, escondem-se em silêncios, e mordem de furto. Mas não vão conseguir. E quando isto mudar, para manterem o lugar, vão ser os primeiros a dizer que sempre estiveram do lado dos ofendidos e humilhados - os que eles mesmos ofenderam e humilharem, quer por acção, quer por omissão.
Para amenizar a coisa, e não indispor ninguém - que eu digo tudo com muita inocência, e só a brincar -, voltemos ao princípio:
- Se, de repente, você entrar aqui e vir rastos recentes de mim, fique sabendo que isso é que é mesmo impulso, e que os deixei aqui de propósito para si.
:-)

To English speaking people

Hello! How have you ben?
So glad you have come. It was so nice of you. And I'm so sorry I haven´t let you know we can speak in English.

Então, como está?

Bom dia! Como está você? Bem? Assim seja, então. E que continue.
Tenha um bom dia.
E até breve, sim?
:-)

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Os comentários - os meus e os vossos

Ás vezes perco-me nos comentários. Respondo a todos, como é meu dever. Podia ser breve. Mas nem sempre o sou. Espraio-me neles por ali abaixo. É um defeito meu. Mas culpa também da gentileza dos comentários que vocês vão deixando ali.
E é assim que vou adiando os textos mais de pôr aqui neste mostruário, que, aparentemente, é o principal. Mas nem sempre é assim. Há comentários vossos, que mereciam bem estar aqui. Mas deixo-os lá. Prefiro comentá-los lá, no sítio deles. Por isso agradeço que, quem aqui vem, vá até lá para os ler também. Não tanto os meus. Mas os que me dão. É que se este blogue tem algum mérito, deve-o principalmente a quem aqui vem.
Também há quem venha aqui, e não comente nada. E faz muito bem. Vê o que quer. Concorda ou não. Dá um sorriso. Acena que sim. Acena que não. E vai-se embora. É mesmo assim. Só essa é que faltava que quem quer que venha se sentisse obrigado a dizer qualquer coisa em palavras escritas. Basta-me que venha. A sua vinda é já uma mensagem. Uma mensagem que aprecio e que agradeço.
Eu já lhes contei a história do príncipe sapo?

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Vejam lá se pode ser!

Tal como lhe competia, a fadaboa veio agora apagar o fogo, que ela própria ateou, ao contar aquela história da coelha afogueada - a tal. Tentou emendar a mão para salvar a pele, contando uma outra história, em forma de comentário, que deixou no texto em baixo - o tal da coisa no meio. Só que - e lamento dizer isto -, nessa segunda história, em vez de apagar o primeiro, arranjou segundo incêndio.
Como muito bem se lembram, ela, a fadaboa, viu a fotografia, e contou a primeira história. Contou-a muito bem, e disse que o coelho era coelha; que era duma determinada terra, dum determinado lugar; que se dava àqueles ímpetos, que eram de gratidão - os quais, por razões evidentes, eu não nomeio aqui; disse também coisas do galo, não muito abonatórias. Mas passemos adiante, que o que importa é a coelha.
Ora, como ela é fada, todo o mundo acreditou na sua história incendiária, deixando-me a mim, inocente, no meio daquele fogo, sem água para o apagar. Mas, até aqui, tudo bem.
Só que agora a fada dá o dito por não dito, e, na segunda história, diz que a coelha é coelho, e que o coelho é o Tempo. Vejam lá se pode ser!
A fada fez uma tontice graúda, desacreditando-se total e absolutamente. De tal modo que eu, embora seja mui crédulo, até já ponho em dúvida se ela é mesmo fada.
As fadas têm o condão de transformar o mau em bom. E ela fez tudo ao contrário: deu uma alegria à coelha, transformando-a em coelho; depois fez outra maldade, esta de bradar aos céus, fazendo do Tempo um coelho. Eu nem posso acreditar. Ninguém pode acreditar.
Até porque a fotografia mostra que o coelho é coelha, como na história primeira; e que ela é de ímpetos de gratidão e de agressão; e que tem figura hirta, esculpida por neuroses. Não. Aquilo é mesmo a coelha, sem ofensa para as outras.
E então aquela do Tempo se ter tornado coelho, essa não vou perdoar.
E é por isso que lhe digo que depois do que me fez vai passar a fada má, e ficar do lado de lá.
É que, nessa sua apetência de transformar o bem em mal, ainda me dá com a vara, e me torna em animal.
:-)

sábado, 17 de novembro de 2007

Alegoria ou não, eis a questão*

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* Isto é só para si. Por isso falo aqui em baixo e baixinho. O ponto de interrogação faz parte da tal manobra de diversão: é só para os pôr a pensar seja no que for, ou até em nada, só para ver se se esquecem daquela coisa que você sabe. O título? Não se preocupe com isso; eles não olham para cima. Esta nota aqui? Não se preocupe com isso; eles não olham para baixo. Eles só olham para o meio. Por isso eu o desenhei na forma de interrogação. Para os iludir, claro. Eles vão-se perder nesse meio. Mas você, não.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Boatos e alegorias

Corre por aí um boato dizendo que alguns professores leram os últimos textos publicados aqui, no Tempo e nas Peles. E que os leram todos, isto é, os comentários também - e nestes é que está a coisa. O boato foi despoletado por aquela imagem, tão inocente, do coelho ou coelhinha, com o galo ou a galinha. Vai aí uma grande confusão, a que estou inteiramente alheio, pois, se aqui há inocentes -, e há -, o inocente sou eu.
Eu disse que não era alegoria. Até escrevi um texto, dizendo logo no título que não. Não me serviu de nada. Todos dizem que sim, que é. E que eu não percebo nada, e que já não tenho nada com isso. Que os textos já são deles, e que eu não mando nada. Ora vejam lá só esta coisa!
Há os que choram a desdita de animais tão inocentes terem sido expostos aqui em poses menos que tais; há os que usam sarcasmos, e chamam nomes à coelha, chegando mesmo a dizer que ela não é coelha; há os que se atiram ao galo, afirmando perentórios, que aquilo é galito, embora descolorido, e sem afirmação masculina naquela pose que mostra; há ainda uns mais calados, que vão resmungando baixinho, e vão ensaiando bandeiras de desagravo à coelha, e de honra e glória ao galito.
Houve até um que disse que aquilo era um ajudante, daqueles muito esforçados, procurando procurando calar o tempo, só por que o galo canta as horas. Mas logo outro discordou: que era ajudante, sim, que queria tirar a pele ao galo, só porque ele ensina os pintos.
Vai uma grande confusão, neste reino da tal coisa. E eu já não sei que fazer. Vou ver se arranjo tempo, e monto uma chafarica, com subsídio e tudo, para lhes dar formação, ensinando-lhes aquele respeitinho antigo que se deve aos superiores, que velam por nós e bem.
Toda esta confusão, todas estas discrepâncias, são culpa duns sujeitnhos, uns anónimos, outros quase, que se puseram aqui a inventar em cima da minha inocência branca, despida de alegorias.
Eu que me esforcei tanto, vejam lá no que isto deu.
Ai, valha-me santa maria, assim com letra pequena! Mas mesmo muito pequena!

terça-feira, 13 de novembro de 2007

História que a fotografia encontrou*

O galo andava danado, mas não despia a pele de pavão, e muito menos a pose. No seu galinheiro mandava ele, que para isso o elegera a bicharada "de rabos sentados em cima dos cérebros"; pose estudada e cegamente obediente , que galo como aquele não se via há mais de três décadas. As galinhas é que se desagradavam por falta de choco.
Das espécies fêmeas, havia uma coelha dos lados da inducação (era assim o nome da sua terra) que gostava do galo, por causa que ele sempre a distinguira com deferências especiais, e até se empoleirava no galinheiro para a defender quando a restante animalada a atacava.
Vai daí, a coelha, que era assanhada - vá-se lá entender as más línguas -, um dia que apanhou o pavão-galo de crista eriçada a tentar fugir aos apupos da lacaiada reles e ressaibiada das suas habilidades independentemente conseguidas, aproveita a ocasião para lhe demonstrar, às escondidas, toda a sua espavorida excitação e veneração.
O que ela não contava era com a câmara indiscreta de um fotógrafo maroto nem com uns dedos maliciosos de um jornalista indiscreto.

fadaboa

* 1 - Esta texto, História que a fotografia encontrou, foi escrito pela fadaboa nos comentários a Fotografia à procura de história, e que está aqui logo abaixo; 2 - Agradeço-lhe a história e, como gostei dela, tomei a liberdade de a transpor para aqui; 3 - A fotografia continua nas Peles (isto para quem ainda a não viu); 4 - Só o título é que é meu, e tem a intenção de ligar os dois textos: o da fadaboa - História que a fotografia encontrou -, e o meu - Fotografia à procura de história.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Fotografia à procura de história

Aquela fotografia nas Peles não ficou bem. Improvisei. É uma fotografia de uma fotografia. Não consegui melhor. Mas vou conseguir. Depois, troco-a.
O que interessa são os dizeres que nela se vêem: os explícitos na legenda e na imagem; os implícitos, ainda mais nossos, a espreitar por entre as letras e por entre as imagens que a fotografia mostra.
Dava uma história, esta fotografia. Ai, dava, dava! Eu já me ri bastante a imaginá-la. Mas mandaram-me calar. E eu tive que.
Passou o momento. Fugiu-me o ritmo, e perdi o tom. Pode ser que voltem, os malandrecos, que ma anunciaram alegre. Você não os viu por aí? É que a fotografia está mesmo mesmo a pedir uma história.

sábado, 10 de novembro de 2007

Alegoria? Não!

Poderia deixar agora aqui um texto para si, mas não. Preferi uma imagem. Escolhi-a, arranjei-lhe título, mas não consegui copiá-la para aqui. Teimoso, perdi um tempão. Quando consegui, estava toda torta. Voltei a copiá-la. Voltou a ficar torta. Uma estupidez, este teimar sem saber.
Mas não perderam nada. Aquilo era um coelho a atacar um galo. E, agora que disse galo e coelho, assaltaram-me as dúvidas: seria galinha?; seria coelha?
De qualquer modo, aquilo não tinha jeito nenhum. E, além do mais, era perigoso. Podiam muito bem pensar que era uma alegoria. E eu estou a ser escutado, sabiam? E você não está?
Acho que ainda acabo por pôr aqui essa tal imagem. Mas, primeiro, tenho que tirar umas dúvidas: tenho que garantir que o galo não é cidadão; e que o coelho não é ajudante cumprindo obrigações que lhe dão.
Você acha graça, não acha? Mas olhe que não é nada fácil.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

O Alienista - enredo

Aqui lhes deixo um breve resumo do enredo de O Alienista. Retirei-o dum pequeno ensaio da autoria de José Emílio Major Neto, intitulado O ALIENISTA DE MACHADO DE ASSIS, e que vem publicado na parte final da edição, datada de 1993, que lhes apresento nas Peles. Gosto de ser eu a escrever, mas desta vez preferi assim. Atrevo-me a deixar aqui este breve resumo, pois acho que ele possa ter alguma utilidade para quem não conhece a obra; e porque estou convencido que ele não retirará prazer algum a quem a quiser ler agora. Ei-lo!

1º - O Dr. Simão Bacamarte recolhe à Casa Verde (edificação destinada especificamente a esse fim), os indivíduos que a sociedade sua contemporânea denomina como loucos ou doidos.

2º - A partir de seus estudos e análises destes indivíduos, ele formula a sua primeira teoria da loucura, qual seja: esta patologia humana é a manifestação do desequilíbrio existente nas várias funções mentais; assim, o não perfeito e absoluto equilíbrio das funções mentais já é indício de loucura.
Com esta constatação, ele começa a recolher na Casa Verde todos aqueles que não apresentam um perfeito e absoluto equilíbrio mental.

3º - Com o passar do tempo, a Casa Verde fica lotada, e o alienista percebe que mais de quatro quintos da população está encerrada entre suas paredes. Assim, é obrigado a rever a sua primeira teoria sobre a loucura, em função das estatísticas, ou seja: se a maioria da população de Itaguaí não apresenta um perfeito e absoluto equilíbrio das funções mentais, sendo tal aspecto característica marcante da minoria da população, a conclusão lógica e científica só pode ser a oposta. Assim, o perfeito e absoluto equilíbrio mental é que é indício seguro de loucura e insanidade. Os normais são os loucos, e os loucos os normais.

4º - O alienista liberta os antigos loucos, agora sãos e normais, e começa a recolher os antigos sãos e normais como loucos. Em seguida, as pessoas que apresentam um equilíbrio mental, vale dizer moral, perfeito, são submetidas a uma terapia que lhes faz despertar o gérmen da sanidade, ou seja, do desequilíbrio mental. Em pouco tempo a Casa Verde se esvazia, e Simão Bacamarte percebe que não foi responsável pela cura de nenhum deles. Todos os seus pacientes traziam em latência o gérmen da sanidade, ou seja, do desequilíbrio das funções mentais. Aqui, Simão Bacamarte formula a sua última teoria sobre a loucura e a sanidade humana, que o leitor certamente encontrou na conclusão da narrativa.

Resisto à tentação de especificar aqui essa última teoria, e suas consequências, porque, isso sim, poderia roubar-lhes o prazer da sua descoberta.

Notas: 1 – José Emílio Major Neto é brasileiro, natural de Uberlândia, MG. É formado em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia, MG. Em 1993, data da edição e do referido ensaio, era mestrando em Teoria Literária no IEL / Unicamp, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil; 2 – Só o texto em itálico é que é meu.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Uma tentação

Não se faça de desentendido, sim? Olhe que o texto O Alienista já está nas Peles. E não se queixe, que aquilo esteve para ser ainda mais demorado.
Mas quem é que me manda a mim escrever directamente na página do blogue? É que assim tenho que acabar o texto, dê por onde der, e dê eu as voltas que der.
Quer que lhe conte o enredo? Claro que não quer. Mas, só porque não quer, eu vou pensar no assunto. Até porque já está escrito. É só copiar. Uma tentação!
:-)

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Deve ser dos óculos

Tenho que fazer sair daqui para fora - para fora e depressa -, estas últimas páginas que escrevi no Tempo. Gostei muito de as escrever. Gostei muito de as pôr aqui. E quase poderia jurar que que foi só para mim que as escrevi; e que foi só para mim que as pus aqui. Para serem mais minhas, mostrando-as a outros em forma de prenda que me dei a mim, lembrando-me dele, e lembrando-o a ele.
Mas tenho que as fazer sair daqui para fora; para fora e depressa. Não que não goste cada vez mais de as ter escrito; não que não goste cada vez mais de as ter posto aqui. O que acontece é que alguns comentários se colaram a elas, perturbando-me a vista. Deve ser dos óculos. E eu não gosto de limpar os óculos.
Por isso tenho que as fazer sair daqui para fora; para fora e depressa.
Raios! Não há por aí uma coisa qualquer a que eu deite mão para as tirar daqui?
Vou confiar nas pontas dos dedos, que nos olhos não, tacteando as estantes, a ver se encontro um livro que me possa valer.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Palavras ditas

Passados uns dias, saiu do hospital. Passadas semanas, voltou para lá. Eu estava no Wisconsin, em Milwaukee. Fiz os últimos exame. Voei para Nova Iorque. Um telegrama esperava-me lá. De novo saíra. Já estava melhor. Eu podia ficar.
Em Nova Iorque, queriam que eu ficasse. Havia uma missão que a ninguém deram. Mas davam-ma a mim. Havia uma família que perdera um filho da idade que eu tinha. Eu podia dizer que sim ou que não. Mas disse que sim. Hello, Mrs. Petze! Hello, Mr. Petze! Hi, Karen and Debbie! How have you been? (1)
Passado um mês, toca o telefone. Era madrugada. Em Nova Iorque. Em Vila Verde, era já manhã. Era a voz dele. No hospital de novo. Uma voz serena. Que soava quente. Mas que era firme.
Não quero que venhas; eu disse-lhe que não ia. Eu só vim aqui ao hospital fazer um exame sem importância; eu disse-lhe que sim, que não tinha importância nenhuma. Amanhã ou depois, já estarei em casa; eu disse-lhe que sim, que já estaria. Não quero que venhas, percebes?; eu disse-lhe que sim, que percebia. Sei que várias universidades te querem e pagam; eu disse-lhe que sim, que era verdade. Escolhe a mais dura, a que seja melhor; eu disse-lhe que sim, que escolheria. Fica aí e sê um homem, ouviste?; eu disse que sim, que ouvira, e que ficaria e que seria. Esse é o meu sonho e desejo, e eu sou o teu pai; e eu disse que seu sonho e desejo seriam cumpridos, tal era o orgulho dele ser meu pai. Então faz como eu te disse e como tu me disseste; e eu disse que sim, que faria.
O telefone calou-se. O silêncio esmagou-me. Oito mãos passeavam pelo meu cabelo, pela minha face, e apertavam-me os ombros. Tinham entendido tudo, mesmo não sabendo uma palavra desta língua que é a minha. Thank you Mr. and Mrs. Petze! Thank you Debbie! Thank you Karen. Thank you so much, and I am so sorry, but I have to go; - We know you have; oh, yes, we know! (2)
Às cinco da tarde, no aeroporto Kennedy. Mrs. Petze disse: - You filled the place in my heart and turned its emptiness into sweet and loving memories; I know your heart is worried now, and soon it will be empty too; but sweet an loving memories will overcome; that will be so, I assure you. (3)
Pôs-se o sol, e em pouco tempo nasceu. Era meia noite em Nova Iorque, mas em Bruxelas era já manhã, quando eu cheguei. Só lá para a meia tarde havia ligação. Cheguei a Lisboa, já a noite caía. Pela madrugada, já estava em casa. O raio das horas nunca mais passavam. Que a minha viagem só teria um final quando pela manhã eu chegasse àqulele hospital.

1- “Olá srª. Petze! Olá, sr. Petze! Olá, Karen e Debbie. Como estão vocês?"
2- Obrigado sr. e srª. Petze. Obrigado, Debbie! Obrigado, Karen! Agradeço muito, e lamento tanto, mas tenho que ir; - Nós sabemos que tens; oh, sim, nós sabemos.

3 - Preencheste o vazio que havia no meu coração com doces memórias de amor; sei que o teu coração preocupado ficará vazio em breve; mas doces memórias de amor vencerão esse vazio; isso te asseguro.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Palavras escritas

Hoje fui visitá-lo. Pousei uma rosa na casa onde mora. Era vermelha. Ele sorriu. Só eu é que vi. Pousei outra ainda. Vermelha também. Sem que ninguém visse, devolvi-lhe o sorriso. E foi então que o descarado me sorriu de novo e, feito maroto, me piscou o olho.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Há sempre alguém que diz não

De cabeça erguida, é que se anda bem. De facto, começa a parecer habilidade rara, ou ousadia grave, andar de cabeça erguida, coisa que deveria ser vista como bem normal. Mas não, que anda a mais da gente de cabeça no chão. Há razões para isso, que o desconsolo aperta, a agressividade fere, a ignorância mata.
Tudo nos é servido com umas roupagens aprendidas à pressa, muito acomodadas em burocracias, inúteis e tontas, mas que entusiasmam servidores fiéis, a morder de furto, e cuja inteligência medem por resmas de papéis, e pelas estatísticas, apresentadas em gráficos de todos os tipos (que de um só era pouco), de todas as cores (para serem mais atractivos), com a idade da mãe, a idade do pai, a idade do filho, a idade do tio, a idade do cão, o que faz o cão, o que faz a mãe, o que faz o pai, o que faz o gato, a que horas faz.
Ora, quantas mais razões destas houver a fazerem pender a cabeça para o chão, mais razão e urgência há para a erguer bem alta.
Toca a levantar a cabeça. É que, se não, ainda no-la vergam mais.

Nota: Este texto é uma adaptação dum comentário meu feito em RFS - Outra vez no ar, de 16 de Outubro de 2007, no mineirodejales.blogspot.com, cuja leitura se recomenda.

Atéque enfim!

Façam o favor de ir às Peles. Vejam lá as voltas que o texto deu. Agora talvez tenha que dar uns toques no daqui de baixo. E não sei se não terei de continuar com o das Peles.
Só me meto em trabalhos, não é?
Hoje, pela hora que é, poderia dar-lhe um "bom diazinho!", muito normalzinho. Mas não! O "Bom dia!" que lhe dou é aquele meu, sempre especial, dado a toda a hora. É assim que gosto.
Bom dia para si.
:-)

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Vozes que se calam

Vou deixar de lado os motivos que tenho para falar mal das Peles. Vou vou esquecer o assunto. Mas por pouco tempo. Vou antes falar-lhes das hesitações delas.
As Peles andavam de azedumes comigo. Sem razão alguma. Diziam que as assaltei, que lhes roubei o Granito encantado, para o exibir no Tempo, como se meu fosse. E insinuavam ainda outras coisas mais: que certas fotografias e textos lhes cabiam também a elas, ao menos em parte.
Tive que calá-las. Alguém poderia ouvir e ficar a saber. Abeirei-me delas, e falei-lhes, com uma ingenuidade estudada e mansa. Elas disseram-me que iam falar do José Afonso. Eu achei muito bem. E, para as ter na mão, ofereci-lhes logo aquela frase na carteira de fósforos, para elas referirem como sua, e até publicarem, antecedida de fotografia e título que também lhes dei. Hesitaram primeiro, mas depois aceitaram. E assim as calei.
As Peles não deram ainda pela artimanha. Tanto que me confidenciaram hesitações que tinham: se os leitores não iriam achar aquela frase sem pés nem cabeça; se não seria melhor, para os leitores entenderem, contar uma história sobre ostracismos, e sobre aquela mania dos atenienses escreverem em conchas os óstracos; e se não seria melhor, para os leitores entenderem, meter também nessa história siringes de pássaros e flautas de .
Eu disse-lhes que não; que os leitores entenderiam bem; que, se necessário, consultariam um dicionário; que poderiam até levar a mal, pensando que elas os estavam a desconsiderar.
As Peles hesitaram. Depois sorriram e disseram que eu teria razão, mas que, mesmo assim, iam pensar na tal história.
Se a escreverem, e sair bonita, vou ter de roubá-la. E as Peles, desta vez nem vão hesitar. Vão ter de calar-se. Afinal, agora, eu tenho-as na mão! Elas que se atrevam!
Não sei bem porquê, mas, de repente, não sei se estou a falar das Peles, ou se estou a falar de gente.

Nota: Isto irá sofrer quenenas modificações; mas mesmo pequenas.



sábado, 27 de outubro de 2007

Promessa cumprida

Encontrei a frase de que vos falei, escrita na capa de uma antiga carteira de fósforos. E encontrei uma imagem num CD que encontrei. Não achei melhor. Mas acho que vai bem. Queria melhor, mas não encontrei. Deixei-vo-la ali, naquelas coisas "roubadeiras", que são as tais coisas a que chamo Peles.
Já falo na frase de cantos e conchas. Mas voltarei a elas, num outro contexto. E voltarei também às ostras, às linhas de vida e de pensamento, e às rosas escondidas no fundo do mar, de que vos falei no texto, que está aqui por baixo.
Voltarei, sim, mas com mais vagar, que isso são temas que dão que falar.
:-)

Que tolice a minha de fazer promessas

Amigos que venham, neste sábado aqui - "Muito bom dia!"
Eu hoje ainda tenho muito que fazer: são textos para ler, para escolher, para organizar e para imprimir. Tenho também que ir ver como está o vinho, a ver sua cor, a ver se fervilha ainda, mesmo que ao de leve, a ver-lhe o sabor, como amadura. Mas isto do vinho não é trabalho. É antes prazer.
Mas vou arranjar tempo, como já estou a arranjar agora, para voltar aqui, para me dar gosto de lhes oferecer prenda simples, como as minhas são, para verem ao virem.
Encontrei a frase na carteira de fósforos de que falei no último texto- José Afonso morreu, mas os sonhos não! - , e que está nas Peles. -la-ei aqui, se encontrar a imagem que quero para a acompanhar. Mas se a não encontrar, vou falar de ostras, de conchas e cantos; ou de linhas de pensamento ou vida; ou de rosas escondidas no fundo do mar. Têm preferência?
Será que vão querer essa prenda simples que ainda não sei bem qual ela será? Oxalá que sim.
- Tenham um bom dia!
:-)

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Isto é blogue ou é café?

Isto está a ficar bonito! Ai, está, está! Agora começaram a deixar recados aqui, como se faz no café. Falam uns para os outros, sem qualquer autorização, e assim mesmo é que é. Entrem quando quiserem, e deixem as falas que quiserem, que eu não me vou importar. Até pode ser que goste. Quem sabe?
Façam agora o favor de ir ler o comentário primeiro, ali deixado nas Peles, no texto que hoje lá pus, cumprimentando-os a todos.
Esse comentário anónimo é muito mais explícito , cumprimentando-os a todos, chamando-os pelo nome, como manda a simpatia, que ele teve e eu não tive. E , se não forem anónimos, o nome que têm está lá. Ora vejam lá se não?! E se acaso não estiver, só lhes resta, em dignidade, um protesto veemente. Ora vão lá então ver se há razão para contestar.
Até breve, ou até já.
:-)

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Granito encantado

Já disse ontem nas Peles que houve prodígio, que o Granito inacabado que nelas deixei o encontrei acabado, ou por mão de deuses, ou condão de fada. Aqui vo-lo deixo, como o deixei (primeira estrofe), e como o encontrei, com mais duas estrofes.

Quando amanhã vires
Por mero acaso
Este granito
Se ele existir
Fica a saber
Que eu o marquei
Com o sangue da alma
Espalmado na mão
Para ele durar
No seu sono longo
E de mim te lembrares

E de mim te lembrares
Com o sangue teu
Que no meu verterás
Já corpo de pedra
Granito imortal
Nós dois nessa pedra
Junção mineral

E de mim te falar
Ali tu deitada
Pasmada de espanto
De água e luar
E no ar o canto
De um pisco escondido
Que hei-de voar

Nota: As duas últimas estrofes vieram anónimas. Não podia ser. Eu pedi nome de jeito e o que me deram foi mariadacorrecção. Ora vejam lá que coisa! Como gosta de poesia, de àgua, de piscos e de voar, vou antes chamar-lhe Gaivoar. É assim! Democraticamente.

domingo, 21 de outubro de 2007

Ancorado e feliz no cais humano, /

(...) /Por isso, é lentamente (...) /Que ruma em direcção ao cais divino. / Lá não terá socalcos / Nem vinhedos / (...) E cada hora a mais que gasta no caminho / É um sorvo a mais de cheiro / A terra e a rosmaninho!
Miguel Torga

sábado, 20 de outubro de 2007

À proa dum navio de penedos, /

(...) Capitão no seu posto / De comando, / S. Leonardo vai sulcando / As ondas / Da eternidade, / Sem pressa de chegar ao seu destino.
Miguel Torga

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Libertem-me as aves

Bem-vindo seja você, que chegou agora aqui. Pare um bocadinho. Respire fundo. Conte até três. Fique tranquilo. Fique em calma e paz. Se estiver contente, mostre que está; mas se não estiver, não finja que está, que esse fingimento, não vai ajudar.
Não lhe digo isto para lhe agradar, mas porque sou egoísta, e preciso de si para me queixar.
Tenha paciência!
Como pode ver, nos últimos tempos, têm escrito aqui, no Tempo e nas Peles, uns comentários que, ora mais merecidos, ora mais piedosos, me deixam contente. Mas fica-me sempre uma sombra a obscurecer essa satisfação humilde.
Dir-me-á que é soberba minha a pedir ainda mais. Mas não. A razão dessa sombra é bem outra: dão-me comentários simpáticos para os filhos de Outubro; mas não me dão nada para aquelas aves simples que deixei guardadas como filhas de Julho. E isso é injusto, não é? E a injustiça deve ser reparada, não deve?
Faça-me então o favor de ir até ao arquivo de Julho, e abra-me aquela gaiola, a ver se aquelas aves se libertam e voam, a ver se as vêem. Depois volte aqui e diga-me que fez o que eu lhe pedi. Ficarei sossegado. E ficar-lhe-ei grato. E ao seu dispor.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Eu tive que o tirar daqui

Estou a ver se me liberto do Homem caminhando sobre a água, aqui em baixo. Estou a ver se ele se afunda, se perde o equilíbrio e cai. Mas qual quê, qual carapuça! Ele não anda nem desanda. Não há meio de sair.
Eu penso que é dos comentários, que ele toma por elogios. Pense ele o que pensar, eu tenho é que o tirar daqui, resguardando-o mais abaixo, em lição de humildade. Eu sei que não vai ser fácil. Mas tenho que o tirar daqui de cima, que enquanto o não fizer, eu abro esta janela e vejo-o, e fico a olhar para ele, e não escrevo mais nada. Fico como El Rey Pasmado, ante a sua rainha. E isso não pode ser. Tenho que o tirar daqui, e mandá-lo ali para baixo.
Além disso eu arreceio-me que, se ele ficar aqui mais tempo, ainda me denunciam bufando, e vêm bater-me à porta, para que eu pague, por ele, o imposto patriótico de ele circular sobre as águas. Tenho que o tirar daqui.
Quando tem que ser, tem que ser mesmo, servindo qualquer razão, nem que ela seja inventada - o que é indício até de inteligência e orgulho, nesta terra abençoada. Ora, eu tenho razões sobejas, como acima apontei. E mesmo que não tivesse, eu tinha que o tirar daqui, simplesmente porque sim, que é uma razão muito sábia, em terras de entristecer.

sábado, 13 de outubro de 2007

Homem caminhando sobre a água


O que está em cima é o que está em baixo; e o que está em baixo é o que está em cima. A separá-los, apenas um breve momento de realidade e sonho.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Ainda sem título

O Tempo diz que foi assaltado. Foram as Peles. Cheio de boas intenções, daquelas tais de que o inferno está, ele escreveu aqui, meste espaço que é seu,aquele último texto A culpa foi delas . Nele,como bem podem ver - se não tiverem mais que fazer -, ele falou das Siluetas, de Cá para mim é mulher , e até da Mulher. Ora, esses textos são todos das Peles. E elas não gostaram nada, pois sabem que o Tempo é artista, e não vão na cantiga dele, que jura e trejura ter feito aquilo na maior das santidades.
As Peles queriam vingança. Que fizeram elas?

(Vou tentar descobrir para lhes dizer mais logo)

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

A culpa foi delas

Pois é! A bem dizer deveria dizer "pois foi!", não devia? Pois é! O certo é que tenho deixado correr os dias sem que tenha molhado a ponta do dedo para folhear em frente as últimas páginas, tanto no Tempo, como nas Peles.
Foi o feriado; mas não foi só por isso. Foi a vindima das últimas uvas; mas não foi só por isso. Foram as intervenções atentas na adega, para que a transformação dos açúcares e a libertação dos aromas se faça de forma moderada e lenta, sem grande oscilação de temperaturra; mas não foi só por isso. Foi por me ter posto a intrometer comentários, aqui e ali,em blogues alheios, que gosto de fazer ; mas também não foi só por isso. Bem lá no fundo, não foi por nadinha disso. Nem muito, nem pouco.
A verdade é vaidosa. E eu devia omiti-la. Mas é tão poderosa, que não consigo sustê-la portas adentro. Assim, pecador me confesso da presunção narcísica que me atacou nas Peles. É verdade. A demora deveu-se tão só àquela última trilogia de peles, que despi de mim e lá vos deixei, na forma de Silhuetas, Cá para mim é mulher e Mulher. Qual coruja obnibulada pelo amor aos filhos, eu as vi bonitas, a elas, às peles, a todas as três, mas mais ainda à última, a de nome Mulher,que foi a que eu mais quis fazer durar. Aí uns dois dias, para não notarem que estava a fazer de propósito.
Foi então que apareceram, passados aqueles dois dias, colados a essas três peles, todas elas de mulher, uns comentários bordados de bondade e simpatia, e todos eles assinados por mão de mulher também. E eu deixei-me seduzir, e caí na tentação, enchendo-me de enlevos fáusticos, e deixei-as ali ficar, às peles ou às mulheres, durante a semana inteira, para todo o mundo ver.
Eu tenho quase a certeza que foi o diabo, que é tendeiro, e senhor de artes mil, que me levou a pensar tanta tolice. Mas a culpa não é dele, que só fez o seu dever.A culpa é só das peles, transparências de mulheres, que eu vi com tanto gosto; ou então é das mulheres mesmas, as dos comentários simpáticos, que me agradaram tanto.
Sejam peles ou mulheres,isto é obra do diabo.
Bendito seja o diabo.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Amizade em forma de texto

(Continuação de "Uma Singularidade" - 25 de Setembro, in TempoBreve -, com ligações a "Amizade em forma de pedra" - 16 de Setembro, in Sete Peles Sete Saias)
(...)
Foi quando o meu amigo, aquele da "Amizade em forma de pedra", sacou da arma mais potente que tinha no seu arsenal e, em menos de um ai, tomou aquela posição de ataque, cuja sequência, uma vez tomada, já não se pode parar. Numa inclinação perfeita, recuou, ascendendo, a sua arma lenta até à meia torção. E ficou estático por um segundo ou dois. Numa tensão controlada, numa tensão dirigida, iniciou, qual pêndulo firme, o movimento descendente, em ritmo crescente de velocidade e força.
E a bola cantou, e a bolha voou, e rodopiou nos ares em fundo de azul,e, já ao longe, desenhou parábola, e desceu para horizonte de pinheiros verdes, e desapareceu caindo no tapete macio, que envolve o centro do alvo, lá bem no alto, e reapareceu no salto que deu, e desapareceu de novo num desnível qualquer, e reapareceu rolando desnível acima, e desapareceu de novo com a inclinação vencida. E nós então respirámos e, em elogio, dissemos: ”Está lá! Pancada mais linda!”.
De seguida, foi a nossa vez. Mas nenhum de nós acertou no alvo. Vencemos a distância a pé. E, em subindo o morro, esticámos o pescoço para ver mais longe, para ver melhor onde estariam elas. Nenhuma bola no tapete verde mais aveludado. O meu amigo, o da "Amizade em forma de pedra", desalentou dizendo que afinal aquele tiro magnífico tinha ido longe de mais, para o meio dos pinheiros. Mas eu tinha visto a bola a bater e saltar e rolar, abrandando, no declive ascendente. Não podia ser. Não podia ter saído.
Tive um sobressalto e corri para a bandeira, adivinhando-a, como que por milagre, anichada no desejo do ninho. Ninguém acreditou. Mas estava lá. Um silêncio de espanto. O autor da proeza ficou sem palavras. E nós perplexos. Até que gritei. Até que gritámos. Até que dançámos e nos abraçámos, infringindo as regras. Todo o mundo tinha que saber. Todo o mundo ficou a saber. Numa só batida, a bolinha branca estava no buraco.
Até ao dezoito, foi uma gritaria atropelada a contar e recontar: primeiro os pormenores acontecidos no decorrer daquela batida e daquele voo e do nosso espanto; depois, no contar e recontar de muitos pormenores já mais de invenção e de interpretação. E, no fim do dezoito, foi um desassossego de vozes por aquele bar dentro. E vinha mais um, e vinha mais um, e vinham mais dois, e vinham mais três, a perguntar como é que aquilo foi. E nós que havíamos de fazer? Contávamos, claro!Com uma humildade santa.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Ai, valha-me Deus!

Ninguém estranhou o facto de eu não ter dado continuidade ao episódio incompleto que aqui deixei em baixo. Agradeço a simpatia de todos terem entendido a razão. É que eu não consegui ainda maneira de perguntar ao autor da proeza se posso dizer o nome dele ou não. E sabem porquê? É que eu nunca dei a ninguém o endereço desta coisa aqui. Nem disse sequer que me tinha metido nestas aventuras. E não tenho sequer ideia de o vir a fazer. Sou clandestino. Como posso, então, perguntar ao dito se posso pôr aqui o nome dele? Está complicado, não acham?
De qualquer modo, agradeço a atenção que tiveram em não exigirem o desfecho. Mas ponho também a hipótese, sempre prazenteira, de ninguém ter lido. Seja como for, hesito entre concluir, ou dar o assunto por encerrado. Não sei que fazer. Ai, valha-me Deus!

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Uma singularidade

Quando a coisa nos dezoito corre bem, mesmo muito bem, nem podem imaginar o gosto que aquilo tem. Mas se apenas alguns deles forem de rara excepção, o gosto que se tem mantém-se, concentrado nesses tais. E chega a bastar um só, de excepção muito mais rara, para que o gosto incendido se revele em explosão.
Acontece sempre assim, seja num, neles todos, ou só em parte, mesmo que no acontecer haja mais sorte que arte.
Ora, naquele dia - era o 23 de Setembro - a coisa estava a correr bem a todos, que nunca são mais de quatro. Acabáramos o catorze. Já tinha havido de tudo: daqueles alguns de excepção; e até mesmo aquele um, de excepção muito mais rara ainda. Dir-se-ia até que nada de melhor poderia ainda vir a acontecer . Mas não digo que não posso, pois no quinze, logo a seguir, houve um momento espantoso que tornou tudo vulgar.
Foi quando meu amigo,o tal da "Amizade em forma de pedra", sacou da...

Nota: Continua no texto de 2 de Outubro.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Olá!

Distraídos que são, não repararam que escrevi algumas palavras por baixo da fotografia d'o rapaz da camisola verde. Não foi por nada. Foi só para verem por que é que ela é verde.
Publiquei outra fotografia do mesmo rapaz nas Peles. Essa tem um texto maior, que já alterei, e não sei se fica por aí. Está muito comprido. Vou ter que limá-lo. Haja tempo!
Vemo-nos logo? Não sei. Mas eu sei que estou sempre à espera que você venha aqui.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O rapaz da camisola verde


O rapaz e a legenda são o centro de tudo. E a camisola cola a legenda ao rapaz. Três coisas distintas, numa só unidas, que se chama esperança.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Aviso muito importante

Ainda hoje vou deixar algumas palavras aqui. Com data de ontem, talvez. Mas vou deixar. Por isso terei, depois, de apagar este aviso importante.
Se não tiver data de ontem, então é porque o assunto mudou. De qualquer maneira, um abraço e see you.
:-)

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Bom dia

Bom dia!Tenha uma boa semana.
Desta vez não me esqueci da promessa feita em baixo. Deixei ontem um texto para si em setepelessetesaias.blogspot.com. É um texto de circunstância, mas não deixa de falar dum tema de que você gosta - a amizade. Não custa nada. Basta clicar no meu perfil para ter acesso às peles.
Ah, já sabia? Claro que sim! Só gente sábia é que vem aqui.
:-)

sábado, 15 de setembro de 2007

Aos melhores leitores do mundo

Aos meus leitores, os melhores do mundo, as minhas desculpas por mais uma ausência. Não imaginam o quanto sofro (não levar muito a sério) por não vos poder mandar uma carta todos os dias. São coisas da vida. São trabalhos. São canseiras. Às vezes, só irritações. Que isto de escrever, no que a mim se refere, exige-me um estado de alma que não seja forçado. E acreditem que me divirto com as palavras. Mas só me divirto porque são para vós (Levar a sério).
E o pior de tudo é que agora as minhas uvas, não muitas, mas as melhores da zona, tornaram-se possessivas, e querem-me lá cada dia, para lhes ver a cor, para lhes ver o açúcar,para lhes ver a graduação de álcool provável. Mas eu prometo que vou aqui vir, nem que seja só para deixar um bom dia ou uma fotografia. Qualquer dia até ponho a minha. Só não o fiz até agora para não assustar ninguém, ou para não dizerem que é propaganda (Não sei bem se é a sério).
Ah! Estou bem no norte. Quase no mais norte. Numa das zonas mais lindas. Na vila mais antiga. Na Vila mais linda. E também a melhor que tem Portugal. A que no tempo em que toda a aldeia pedia para ser vila, e toda a vila pedia para ser cidade, ela rejeitou a coisa, pois preferiu ficar vila. A tal mais linda. A tal mais antiga. Eu gosto dela. E dela vê-se a serra. A minha mais minha.
Um abraço.
Até breve.
:-)

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Qual onze de Setembro qual carapuça!

Esta pressa louca, para que nos empurram, de excessivos vivermos o que nos é servido pronto, em imagens fortes e em palavras vagas, numa lógica sem nexo, no aqui e no já, está a degradar-nos, está a tornar-nos estúpidos, está a tornar-nos ratos.
Apontam-nos o dedo numa direcção, e atropelamo-nos todos, a correr desabridos, sem saber para onde, sem saber porquê, sem saber para quê, mas pensando que sim, de lágrimas nos olhos a acender as velas em adoração à personificação do bem; apontam-nos o dedo noutra direcção, e atropelamo-nos todos, a correr desabridos, sem saber para onde, sem saber porquê, sem saber para quê, mas pensando que sim, com esgares de ódio, salivando raiva, com lâminas nos dentes, a espezinhar a personificação do mal.
E sempre que o dedo ardiloso muda de direcção, esquecemos tudo, e lá vamos nós, noutros atropelos, ora em estribilhos de adoração e pranto, ora em guinchos de guerra e vingança santa, para outro lado.
Foi assim no 11 de Setembro. Foi e está a ser assim com uma personagem a todos os títulos trágica da actualidade.

Nota: Este texto está incompleto. Falta o desenvolvimento do que adianto no último parágrafo. As minhas desculpas, mas queria deixá-lo aqui hoje. O título também deverá ser alterado.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Bom dia

Se você pensa que Bendito seja o amor é um texto novo, engana-se bem. Mas se você pensa que já o leu, engana-se de novo. É que ele é já uma terceira versão. E com título novo.
A primeira versão foi publicada no altardasaudade, da sonhadora, e está nos comentários de Efemérides, um poema que ela publicou a 12 de Junho. Vale a pena ir lá, para ler o poema, e para ler a apreciação que ela, a sonhadora, fez ao meu comentário, completando-o.
A segunda versão esteve aqui desde as 23:59 de Sexta-Feira, mas substituí-a por esta terceira. Se a não leu, a culpa foi sua. Mas pode sempre redimir-se lendo o Bendito seja o amor.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Bendito seja o amor

Sem reservas nem concessões, ele bate á porta. Sem se saber quando. Sem se saber como. Sem se saber onde. Arrebatador e astuto, nem consegue supor que a porta onde bate não se possa abrir. É tão poderoso, é tão sedutor, que, antes de bater, já sabe que entrou.
Traz tudo consigo, o feiticeiro: todos os sentires, todos os sonhares, todos os desejos, todos os pensares. Envolve-nos neles, todos tão densos, todos tão intensos. Confundem-se todos, e a nós também, deixando-nos tontos à sua mercê.
Toma-nos inteiros nos seus braços fortes e estremecemos todos. Navegamos nele em turbilhões de vento por píncaros altos; navegamos nele em turbilhões de água por abismos profundos. Rasgamos com ele os nossos limites, indo além de nós, como nos compete.
Ele tem a arte do encantamento. E, mesmo sabendo que ele, traquinas, pode bem partir e deixar-nos sós, tristes e sem asas, ancorados na dor, temos de segui-lo, que a sua magia faz-nos correr riscos, e a sua grandeza faz-nos seus apóstolos.
Ficarão saudades, se um dia o perdermos. Ficarão saudades das cores que nos deu bonitas; dos perfumes que nos deu cheirosos; dos afagos que nos deu suaves; dos sabores que nos deu gulosos; das músicas que nos deu divinas. Ficarão saudades, e nelas as cinzas, que ainda aquecem, daquele calor que dá graça à vida, e se foi embora.
Será grande a tristeza, eu sei. Mas o amor é assim. Será grande a tristeza, eu sei. Mas será bendita, que o amor é bendito, e os seus frutos também.
:-)

terça-feira, 4 de setembro de 2007

De regresso aqui, de regresso a si

Amuámos. Eu e elas. O Tempo e as Peles. Um amuo fútil. Infantil. Birrento. Resultado? Deixámos de aparecer por aqui. Um alívio, não foi? Pois foi. Mas fizemos tréguas. Voltámos. Lá se foi o alívio.
Combinámos intelectualmente dizer que foi falta de tempo e de meios. Mas não. Eu, cá por mim, assumo a verdade. Entrei sorrateiro noutra dimensão. Na do tempo da água e da penedia. Da serra e do mar. Atravessei o rio do esquecimento. E saí daqui. Voltei a atravessá-lo. Voltou a memória. E eu voltei com ela.
As Peles ficaram de alimentar esta coisa. Fizeram promessa. Não cumpriram nada. Agora que se avenham com as suas falsas promessas. Parece que é moda. Mas também é moda acreditar em tudo. Ou não acreditar em nada. São dois grandes erros, ou as duas margens, dum caminho tolo, inocente e fácil.

sábado, 11 de agosto de 2007

A minhoca e o boi

Não leram o texto Amigos que perdemos, onde é que parais? - publicado nas Sete Peles, pois não? Se não leram, parabéns. Não vale a pena.
Bem intencionado, escrevi aqui em baixo um pequeno texto sobre O Profeta, de Khalil Gibran, e vejam lá o que aconteceu: quase ninguém o viu; dos poucos que o viram, quase ninguém o leu – e fez muito bem; dos poucos que o leram, ninguém encontrou novidade; apenas duas pessoas o leram, e tiveram a amabilidade de mandar lá do Brasil notícia simpática do facto, o que muito agradeço.
Seja como for, e voltando ao princípio, só uma pessoa é que se portou mesmo mal, o tal das Peles. Um atrevido! Falei n’ O Profeta, e ele aproveitou logo ali para armar ao efeito. Peito inchado de presunção, não perdeu tempo: que o conhecia, que há muito o tinha, e em inglês – para se dar ares de - e que foi oferta do libanês Anwar, o que é verdade.
Tudo isto sem dizer água vai nem água vem acerca da minha pessoa, que foi quem lhe deu o pretexto para se pôr ali a gabar.
O pior de tudo, porém, é que ele fez como aquele aluno cábula que sabia tudo da minhoca, mas, dos outros animais todos, nada. E o professor, vá lá saber-se porquê, interroga-o, nem de propósito, acerca do boi. Manhoso, o cábula lá foi debitando, para ganhar tempo, que o boi é um animal. Sim, um animal, e mais? Bem, é um animal, assim tipo! Tipo quê, homem? Assim tipo, como hei-de dizer! Diga lá! Ora bem, é exactamente isso, “lá”! O “lá” tem uma letra, o “éle”, que é muito esguia e comprida. Assim como o boi. Como o boi? Só se for o rabo! É exactamente isso, o rabo. Ora, o rabo, sendo esguio e comprido, é muito parecido com a minhoca. E a minhoca (…).
E nem queiram saber a ladainha parva que se seguiu acerca dos predicados que a minhoca tinha ou não. Dizem que o professor pasmou. E passou-o, só de pensar na hipótese, embora remota, de ter que o aturar mais um ano.
Assim fez o das Peles. Usou O Profeta apenas como pretexto para tecer todo aquele rosário de perguntas sem fim, de que resultou o texto: Amigos que perdemos, onde é que parais? Tal como o cábula que usou o boi para chegar à minhoca.
O pior é que eu até gostei do que ele escreveu. Um pouco intempestivo, mas gostei. E então aquela universalização, nem lhes digo nada. Sim, quando ele diz: Não sou eu que pergunto; somos todos nós. E tu não és tu, antes todos quantos. Quase me apetecia dizer:
- Bonito.
Mas não digo. Ai, não digo não!

terça-feira, 31 de julho de 2007

Quase uma oração

O Diário de Notícias de ontem, dia 30 de Julho, brindou os seus leitores com O Profeta, de Kahlil Gibran (1883 - 1931). Não podia ter um início melhor esta sua oferta de brindes de verão. É um livro magnífico.
O seu autor, um sírio nascido no Líbano e que viveu os últimos 20 anos da sua curta vida nos Estados Unidos, depurou-o durante 25 anos. Mas valeu a pena. É uma verdadeira pérola literária, onde se sente o pulsar mais profundo do coração e da mente humana, num ritmo cadenciado e vibrante.
O Profeta é tão pequeno quanto profundo. Os capítulos são breves e densos. E tudo isto de leitura agradável e fácil. Dá para ler e parar. Para ler e pensar. E voltar a ler meditando. E levar no bolso.
De que está à espera? Vá procurá-lo. Pode ser que ainda o encontre. Se não, há outras edições. E há sempre uma livraria perto de si. Mas cuidadinho com as traduções, sim?

sábado, 28 de julho de 2007

Isto não é a Arca de Noé,ou é?

Aqui lhes deixei o melro, como prometido. E não foi para ganhar tempo, nem irritar ninguém, como aquele rezingão das peles diz a meu respeito.

Não disse tudo das aves que aqui deixei. Por isso não juro que não volte a elas. E a outros que tais, que os animais são tão como nós. Mas agora, não. Não tinha pensado em pô-los aqui. Foi aquele pequeno deslize d'O Pisco, poema, que os arrastou e lhes deu o tom. Por isso lamento que, com este texto, ele se perca agora na pasta de arquivo. Uma injustiça, não é? Mas eu gosto dele.

Sim, é verdade, vou deixar os pássaros. Para desgosto deles, meu, e de todos quantos. E, caso nunca visto, das minhas vizinhas, que, tendo visto os meus, deram agora em vir mostrar-me os delas, em gaiolas protegidos, de arquitectura leve e de cores garridas, para que deles fale, e retrato ponha deles aqui também, tal como fiz aos meus. E isso pode lá ser? Que isto não é feira de vaidades, nem arca de Noé, ou é?

NOTA: Devo agora, que vou deixar as aves, agradecer a paciência da atenção que lhes deram. Mesmo se não leram. Mesmo se gostaram.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Brincalhão e valente

Os machos, vaidosos, exibem seu fato de penas, de um preto azeviche lustroso, e seu bico vário, em tons de amarelo vivo e ruivo. São muito vistosos, cumprindo a regra, quase sagrada, que a natureza quis impor aos machos. Menos aos homens, esses convencidos, que se distraíram, e, preguiçosos, perderam o brilho e a graça. Mas adiante, que ainda me batem.
As fêmeas, numa discrição cuidada, usam vestimenta preta desbotada em castanho, e bico despido de ostentações coloridas, seguras que estão dos seus predicados para chamar os machos. E isto foi bênção com que a natureza brindou o que é fêmea. E as mulheres também. Mas estas, espertas, deitaram mãos à vida e alteraram tudo. Para espevitar os sentidos dos homens esquecidos. Mas adiante. E depressa.
Onde quer que estejam, e estão por todo o lado, gostam sempre os melros de humidade e relva. E é aí que brincam. Brincam rente ao chão, em campo aberto, entre penedias, escondidos nos bosques, no meio dos jardins , e nos bancos destes. São uns brincalhões. Brincam saltitando e, se mais agitados, movem-se aos sacões com a cauda erguida. E brincando buscam um prazer que é seu, que é comer minhocas. Perdem-se por elas. Para as encontrar, correm Seca e Meca, e apartam a relva, e fazem buraco, só por causa delas.
E que bem que cantam. E que melodia. E que harmonia. Seriam os melhores, não fosse a mania daquela pressa à toa. Lembram-me o Camilo. O que escrevia. Mas isso é já uma outra história.
São uns valentes. Não fogem à luta, quando tem de ser. Por causa do campo de jogo que é seu, da relva que é sua, do buraco que é seu, da minhoca que é sua, da família sua, e dos filhos seus.
Chegam aos limites: chegam a matar, chegam a morrer, chegam a matar-se, e a matar os seus.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Gostam do melro?

Eu sei que gostaram das aves que aqui lhes mostrei e de que lhes falei. Não me contradigam, que aves somos nós todos também. Por isso, não gostar delas é não gostar de si mesmo. É claro que eu sei de pessoas que se detestam. E até pode ser que tenham razão. Mas isso passa-lhes. Basta que gostem das aves que por aqui fui deixando. Mesmo mentindo, acenem que sim. É que, se não, cada vez mais se vão mais detestar. E quem avisa, amigo é, ora não é?.

Não sei se lhes deixe, num destes dias, mais alguma ave. Talvez o melro. Que acham?

segunda-feira, 16 de julho de 2007

O filho-do-cuco

Ei-lo, freneticamente jogando o jogo do bota-fora. Assim lho ensina a genética dos fortes. Logo nos dois primeiros dias. Sem escrúpulos. É o destino.
Vai tudo borda fora, seja ovo do pisco, seja filho do pisco. Não fica nada. Só ele, o cuco, o filho-do-cuco. Para comer tudo. Assim é que é.
Os piscos velhos assistem. E não fazem nada. Assim lho ensina a genética dos fracos. Sem protestos. É o destino.
Nota: A gravura do cuco, em baixo, poderia ter por título O mal afamado e por legenda Resolvendo a pequena distracção de ter posto o ovo no chão.




quinta-feira, 12 de julho de 2007

O macho canta cu-cu, mas a fêmea não

É um malandro. É um brincalhão. Vítimas? Os mais distraídos e as raparigas que querem casar. Está em todo o lado. Não tem escrúpulos. Vive à custa doutros. Tem muitas manhas. Não admira que tenha má fama.
Tamanho médio; cabeça peito e dorso em tons de cinza e castanho; barriga de fundo branco-sujo, com estrias horizontais ondulantes, de cinza e ferrugem; cauda comprida, pintalgada de branco; silhueta à falcão ou à gavião; cor e porte como a fêmea deste. Um farsante.
Há quem diga que entre Março e Abril o cuco há-de vir, mas na minha terra sabe-se, de ciência certa, que no primeiro de Março, o cuco chega e canta. Mesmo que não chegue. Mesmo que não cante.
O macho canta cu-cu, uma coisa estranha, mas a fêmea não; antes soluça ou, se excitada, estranhamente bufa. É com o cu-cu que ela se excita, uma coisa estranha, para pôr os ovos, outra coisa estranha, nos ninhos de passarinhos. Uns sem vergonha.
Os ovos do cuco são um milagre duplo de mistificação: muito parecidos em tamanho, forma e cor com os dos passarinhos que fizeram o ninho; e cheios das qualidades todas que os novos cucos deverão,logo ao nascer. Uns filhos-da-cuca, é o que é.
Não é que eles, logo ao nascer, já conhecem o jogo do bota-fora? Viciado, claro, que eles ganham quase sempre. E é assim que nos primeiros dias eles deitam para fora tudo o que o ninho contém, sejam outros ovos, sejam outros pássaros, até ficarem sós, para comer tudo.
Não admira que cresçam depressa, e partam depressa. Sem conhecer os pais. Mas o mais estranho é que os pais enganados assistam ao jogo e aceitem. Muito estranho mesmo.

terça-feira, 10 de julho de 2007

O pisco do mais lindo canto

Há muitos piscos, mas este é o pisco-de-peito-ruivo

Muito discreto, quando calado. Esta sua pose é de descanso, pensativo, ao sol. Não é a mais elegante, mas é a que melhor e mais facilmente o identifica: peito alaranjado, bordejada de tons de branco e de cinza, com azul à mistura.
Os machos cantam, de Janeiro a Junho, manhãzinha cedo, mesmo na abertura do concerto das aves. Também ao entardecer, até ficar escuro. São cantos de amor e de vida. De tanto enlevo que se esquecem de si, desfazendo-se em canto, para enlevo e encanto de quem os sabe ouvir. É seguramente um dos mais belos cantos que se podem ouvir.

Mas o canto não basta, que a ­mea exige, ao ser cortejada, que o macho a alimente também. Coisas de fêmeas.
E é assim que, de canto em canto, de bicada em bicada, que é como quem diz namoro e beijo, lá terão de se arrumar e fazer o ninho. Para terem filhos, em duas posturas, entre Março e Julho. Só que, em vez dos quatro ou cinco que costumam ter, às vezes têm só um: o filho do cuco, que eles pensam que é filho deles.
Mas não desistem. Nas calmas e quentes do Outono, voltam os machos a sonhar cantando, preparando o terreno para promessas de amores futuros. Lá para Janeiro. Outra vez.