terça-feira, 2 de outubro de 2007

Amizade em forma de texto

(Continuação de "Uma Singularidade" - 25 de Setembro, in TempoBreve -, com ligações a "Amizade em forma de pedra" - 16 de Setembro, in Sete Peles Sete Saias)
(...)
Foi quando o meu amigo, aquele da "Amizade em forma de pedra", sacou da arma mais potente que tinha no seu arsenal e, em menos de um ai, tomou aquela posição de ataque, cuja sequência, uma vez tomada, já não se pode parar. Numa inclinação perfeita, recuou, ascendendo, a sua arma lenta até à meia torção. E ficou estático por um segundo ou dois. Numa tensão controlada, numa tensão dirigida, iniciou, qual pêndulo firme, o movimento descendente, em ritmo crescente de velocidade e força.
E a bola cantou, e a bolha voou, e rodopiou nos ares em fundo de azul,e, já ao longe, desenhou parábola, e desceu para horizonte de pinheiros verdes, e desapareceu caindo no tapete macio, que envolve o centro do alvo, lá bem no alto, e reapareceu no salto que deu, e desapareceu de novo num desnível qualquer, e reapareceu rolando desnível acima, e desapareceu de novo com a inclinação vencida. E nós então respirámos e, em elogio, dissemos: ”Está lá! Pancada mais linda!”.
De seguida, foi a nossa vez. Mas nenhum de nós acertou no alvo. Vencemos a distância a pé. E, em subindo o morro, esticámos o pescoço para ver mais longe, para ver melhor onde estariam elas. Nenhuma bola no tapete verde mais aveludado. O meu amigo, o da "Amizade em forma de pedra", desalentou dizendo que afinal aquele tiro magnífico tinha ido longe de mais, para o meio dos pinheiros. Mas eu tinha visto a bola a bater e saltar e rolar, abrandando, no declive ascendente. Não podia ser. Não podia ter saído.
Tive um sobressalto e corri para a bandeira, adivinhando-a, como que por milagre, anichada no desejo do ninho. Ninguém acreditou. Mas estava lá. Um silêncio de espanto. O autor da proeza ficou sem palavras. E nós perplexos. Até que gritei. Até que gritámos. Até que dançámos e nos abraçámos, infringindo as regras. Todo o mundo tinha que saber. Todo o mundo ficou a saber. Numa só batida, a bolinha branca estava no buraco.
Até ao dezoito, foi uma gritaria atropelada a contar e recontar: primeiro os pormenores acontecidos no decorrer daquela batida e daquele voo e do nosso espanto; depois, no contar e recontar de muitos pormenores já mais de invenção e de interpretação. E, no fim do dezoito, foi um desassossego de vozes por aquele bar dentro. E vinha mais um, e vinha mais um, e vinham mais dois, e vinham mais três, a perguntar como é que aquilo foi. E nós que havíamos de fazer? Contávamos, claro!Com uma humildade santa.

4 comentários:

Justa Causa disse...

Finalmente algo que faz sentido!
Gostei.

TempoBreve disse...

Espero que esse seu "finalmente" seja um desabafo em relação à muita coisa que por aqui anda na net sem qualquer critério de qualidade.
Contudo, não ponho de lado a hipótese de ele se referir aos meus textos. Mas, mesmo que seja, há ao menos um texto que foi merecedor de algum do seu tempo. E isso me basta para ficar satisfeito. Até porque pouca gente deve ter parado nesse texto onde você deixou comentário, dada a sua extensão, e dada a forma como está escrito.
Seja como for, agradeço a sua visita. E acredito no seu comentário, até porque ele vem assinado como "Justa Causa".
Já li vários dos seus textos. Gosto deles. Parabéns.

Anónimo disse...

Sou o tal , o "da amisade em forma de pedra e de areia do deserto " . li e gostei , mas a areia esteve para não chegar. Em Frankfurt uma eficiente controladora de bagagens ; num dia critico de controle de atentados ( tinham prendido alguns terroristas da Alkaeda ) ; descobriu na minha bagagem de mão duas garrafinhas com a areia ; já nem me lembrava que as tinha lá metido ; e perguntando-me que era aquilo ficou primeiro atónita , depois riu-se com a resposta .
- Areia do deserto
Analisou as duas garrafas , mirou-as , abanou-as e por fim encolheu os ombros e disse :
- OK tudo bem , e sempre a rir-se passou à bagagem do passageiro seguinte .
A areia ainda não foi entregue ao destinatário , mas vai ser e brevemente.

TempoBreve disse...

Custou-lhe a aparecer. Estou a brincar. A verdade é que eu queria que você soubesse, ms não encontrava maneira de lho dizer. É que eu mantive este meu canto secreto até há poucos dias atrás. Mas agora esse problema já está ultrapassado, pois já muita gente sabe.
Espero que tenha gostado das histórias que escrevi para todos, mas principalmente para si. E tem que pagar-me o favor de ter feito de si personagem principal, e, acima de tudo, uma personagem heróica, aventureira, amiga e simpática. Ainda vou pensar na paga que terá de fazer-me.
Agora que sabe que estou aqui, apareça quando puder, ou quando precisar de ocupar o tempo nas suas noites longas de profissão preguiçosa.
Um abraço e até.
:-)