sexta-feira, 25 de maio de 2012

A não perder

Na Casa das Letras não há televisão. Na casa onde moro está escura e calada enquanto jantamos. Pelo menos. Hoje o jantar foi mais demorado.  Eram 22h52 quando carreguei no botão. A Ana Lourenço despedia-se, anunciando  A Quadratura do Círculo, às 23, com. A não perder - disse ela. Dei por mim a sorrir, pela expressão e por ela. Gostei.
Vulgarizou-se muito um modismo parolo que, mais a torto que a direito, recorre ao imperdível  como sinónimo de A não perder. Ora, esta aproximação sinonímica torna em horror o imperdível e abastarda sem pudor a sonoridade expressiva da lindíssima expressão A não perder. Por isso gostei de as ouvir: à expressão e a ela, porque ela a disse.
Como modismo, o imperdível é insistente e indiscriminadamente usado por políticos banais, por comentadores banais, por jornalistas banais, por conferencistas banais, por professores banais, conferindo-lhe uma divulgação tal que, hoje em dia, difícil é encontrar cão ou gato que, a propósito de tudo e de nada, o não mie ou ladre, num acutilante timbre de modernidade ignara.
Há outros modismos muitos, pois é bem claro que há! E fazem-me lembrar personagens, pois é bem claro que fazem! Mas o modismo do imperdível, tal como os seus fiéis seguidores, lembram-me o senhor Dâmaso Salcede. Sim, esse mesmo: o tal que não tinha direcção ou endereço, mas que tinha adresse; e que, manquejando nos píncaros da sua intelectualidade opinativa, se apoiava ora no seu Très Chic, ora, no que é radicalmente diverso, no seu Chique a valer.
Mas que dianho estou eu para aqui a escrever? Quem é que lê hoje Os Maias, uma obra que, não sendo  imperdível, é uma obra a não perder?