terça-feira, 31 de julho de 2007

Quase uma oração

O Diário de Notícias de ontem, dia 30 de Julho, brindou os seus leitores com O Profeta, de Kahlil Gibran (1883 - 1931). Não podia ter um início melhor esta sua oferta de brindes de verão. É um livro magnífico.
O seu autor, um sírio nascido no Líbano e que viveu os últimos 20 anos da sua curta vida nos Estados Unidos, depurou-o durante 25 anos. Mas valeu a pena. É uma verdadeira pérola literária, onde se sente o pulsar mais profundo do coração e da mente humana, num ritmo cadenciado e vibrante.
O Profeta é tão pequeno quanto profundo. Os capítulos são breves e densos. E tudo isto de leitura agradável e fácil. Dá para ler e parar. Para ler e pensar. E voltar a ler meditando. E levar no bolso.
De que está à espera? Vá procurá-lo. Pode ser que ainda o encontre. Se não, há outras edições. E há sempre uma livraria perto de si. Mas cuidadinho com as traduções, sim?

sábado, 28 de julho de 2007

Isto não é a Arca de Noé,ou é?

Aqui lhes deixei o melro, como prometido. E não foi para ganhar tempo, nem irritar ninguém, como aquele rezingão das peles diz a meu respeito.

Não disse tudo das aves que aqui deixei. Por isso não juro que não volte a elas. E a outros que tais, que os animais são tão como nós. Mas agora, não. Não tinha pensado em pô-los aqui. Foi aquele pequeno deslize d'O Pisco, poema, que os arrastou e lhes deu o tom. Por isso lamento que, com este texto, ele se perca agora na pasta de arquivo. Uma injustiça, não é? Mas eu gosto dele.

Sim, é verdade, vou deixar os pássaros. Para desgosto deles, meu, e de todos quantos. E, caso nunca visto, das minhas vizinhas, que, tendo visto os meus, deram agora em vir mostrar-me os delas, em gaiolas protegidos, de arquitectura leve e de cores garridas, para que deles fale, e retrato ponha deles aqui também, tal como fiz aos meus. E isso pode lá ser? Que isto não é feira de vaidades, nem arca de Noé, ou é?

NOTA: Devo agora, que vou deixar as aves, agradecer a paciência da atenção que lhes deram. Mesmo se não leram. Mesmo se gostaram.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Brincalhão e valente

Os machos, vaidosos, exibem seu fato de penas, de um preto azeviche lustroso, e seu bico vário, em tons de amarelo vivo e ruivo. São muito vistosos, cumprindo a regra, quase sagrada, que a natureza quis impor aos machos. Menos aos homens, esses convencidos, que se distraíram, e, preguiçosos, perderam o brilho e a graça. Mas adiante, que ainda me batem.
As fêmeas, numa discrição cuidada, usam vestimenta preta desbotada em castanho, e bico despido de ostentações coloridas, seguras que estão dos seus predicados para chamar os machos. E isto foi bênção com que a natureza brindou o que é fêmea. E as mulheres também. Mas estas, espertas, deitaram mãos à vida e alteraram tudo. Para espevitar os sentidos dos homens esquecidos. Mas adiante. E depressa.
Onde quer que estejam, e estão por todo o lado, gostam sempre os melros de humidade e relva. E é aí que brincam. Brincam rente ao chão, em campo aberto, entre penedias, escondidos nos bosques, no meio dos jardins , e nos bancos destes. São uns brincalhões. Brincam saltitando e, se mais agitados, movem-se aos sacões com a cauda erguida. E brincando buscam um prazer que é seu, que é comer minhocas. Perdem-se por elas. Para as encontrar, correm Seca e Meca, e apartam a relva, e fazem buraco, só por causa delas.
E que bem que cantam. E que melodia. E que harmonia. Seriam os melhores, não fosse a mania daquela pressa à toa. Lembram-me o Camilo. O que escrevia. Mas isso é já uma outra história.
São uns valentes. Não fogem à luta, quando tem de ser. Por causa do campo de jogo que é seu, da relva que é sua, do buraco que é seu, da minhoca que é sua, da família sua, e dos filhos seus.
Chegam aos limites: chegam a matar, chegam a morrer, chegam a matar-se, e a matar os seus.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Gostam do melro?

Eu sei que gostaram das aves que aqui lhes mostrei e de que lhes falei. Não me contradigam, que aves somos nós todos também. Por isso, não gostar delas é não gostar de si mesmo. É claro que eu sei de pessoas que se detestam. E até pode ser que tenham razão. Mas isso passa-lhes. Basta que gostem das aves que por aqui fui deixando. Mesmo mentindo, acenem que sim. É que, se não, cada vez mais se vão mais detestar. E quem avisa, amigo é, ora não é?.

Não sei se lhes deixe, num destes dias, mais alguma ave. Talvez o melro. Que acham?

segunda-feira, 16 de julho de 2007

O filho-do-cuco

Ei-lo, freneticamente jogando o jogo do bota-fora. Assim lho ensina a genética dos fortes. Logo nos dois primeiros dias. Sem escrúpulos. É o destino.
Vai tudo borda fora, seja ovo do pisco, seja filho do pisco. Não fica nada. Só ele, o cuco, o filho-do-cuco. Para comer tudo. Assim é que é.
Os piscos velhos assistem. E não fazem nada. Assim lho ensina a genética dos fracos. Sem protestos. É o destino.
Nota: A gravura do cuco, em baixo, poderia ter por título O mal afamado e por legenda Resolvendo a pequena distracção de ter posto o ovo no chão.




quinta-feira, 12 de julho de 2007

O macho canta cu-cu, mas a fêmea não

É um malandro. É um brincalhão. Vítimas? Os mais distraídos e as raparigas que querem casar. Está em todo o lado. Não tem escrúpulos. Vive à custa doutros. Tem muitas manhas. Não admira que tenha má fama.
Tamanho médio; cabeça peito e dorso em tons de cinza e castanho; barriga de fundo branco-sujo, com estrias horizontais ondulantes, de cinza e ferrugem; cauda comprida, pintalgada de branco; silhueta à falcão ou à gavião; cor e porte como a fêmea deste. Um farsante.
Há quem diga que entre Março e Abril o cuco há-de vir, mas na minha terra sabe-se, de ciência certa, que no primeiro de Março, o cuco chega e canta. Mesmo que não chegue. Mesmo que não cante.
O macho canta cu-cu, uma coisa estranha, mas a fêmea não; antes soluça ou, se excitada, estranhamente bufa. É com o cu-cu que ela se excita, uma coisa estranha, para pôr os ovos, outra coisa estranha, nos ninhos de passarinhos. Uns sem vergonha.
Os ovos do cuco são um milagre duplo de mistificação: muito parecidos em tamanho, forma e cor com os dos passarinhos que fizeram o ninho; e cheios das qualidades todas que os novos cucos deverão,logo ao nascer. Uns filhos-da-cuca, é o que é.
Não é que eles, logo ao nascer, já conhecem o jogo do bota-fora? Viciado, claro, que eles ganham quase sempre. E é assim que nos primeiros dias eles deitam para fora tudo o que o ninho contém, sejam outros ovos, sejam outros pássaros, até ficarem sós, para comer tudo.
Não admira que cresçam depressa, e partam depressa. Sem conhecer os pais. Mas o mais estranho é que os pais enganados assistam ao jogo e aceitem. Muito estranho mesmo.

terça-feira, 10 de julho de 2007

O pisco do mais lindo canto

Há muitos piscos, mas este é o pisco-de-peito-ruivo

Muito discreto, quando calado. Esta sua pose é de descanso, pensativo, ao sol. Não é a mais elegante, mas é a que melhor e mais facilmente o identifica: peito alaranjado, bordejada de tons de branco e de cinza, com azul à mistura.
Os machos cantam, de Janeiro a Junho, manhãzinha cedo, mesmo na abertura do concerto das aves. Também ao entardecer, até ficar escuro. São cantos de amor e de vida. De tanto enlevo que se esquecem de si, desfazendo-se em canto, para enlevo e encanto de quem os sabe ouvir. É seguramente um dos mais belos cantos que se podem ouvir.

Mas o canto não basta, que a ­mea exige, ao ser cortejada, que o macho a alimente também. Coisas de fêmeas.
E é assim que, de canto em canto, de bicada em bicada, que é como quem diz namoro e beijo, lá terão de se arrumar e fazer o ninho. Para terem filhos, em duas posturas, entre Março e Julho. Só que, em vez dos quatro ou cinco que costumam ter, às vezes têm só um: o filho do cuco, que eles pensam que é filho deles.
Mas não desistem. Nas calmas e quentes do Outono, voltam os machos a sonhar cantando, preparando o terreno para promessas de amores futuros. Lá para Janeiro. Outra vez.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Ainda O pisco

Bom dia!

Espero que gostem d'O pisco que aqui deixei ontem. Não cometam a injustiça de não. Mas, se tal acontecer, podem sempre assumir uma atitude inteligente, mentindo.
Este pisco é já uma segunda história por detrás da primeira, a mais prosaica, a verdadeira; uma segunda pele, despida a primeira. Mas há outras mais.
E lá estou eu com esta fixação no Príncipe Sapo! Mas isso é outra história. Adiante!
Tem pelo menos dois méritos, O pisco que aqui deixei: alimentar este bicho de estômago branco; e dar pretexto para aqui apor a história primeira, a das personagens reais. É o que farei brevemente. Hoje ainda.

Notas:

1 - Publiquei ontem uma mensagem no setepelessetesaias. É quase um pedido de desculpas por aqueles dois textos antigos que lá abandonei.

2 - Se quiserem ter a paciência de comentar ou perguntar, deverão fazê-lo no TempoBreve, pois nas Sete não aparece espaço para comentários. Não sei se é aselhice minha, se sabotagem dele, do sr. Tempo. Ele é bem capaz disso.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

O pisco

Desde Janeiro
Se alevanta o pisco
E enlevado canta
O degelo do inverno

Depois em Fevereiro
Pesquisa os valados
A acender fogueiras
De flores que estremece

E em Março sonha Outubros
De frutos maduros e novos
Olvidando sempre que o cuco
Na noite se oculta a trocar-lhe os ovos

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Uma verdadeira maldade a dois

Ao verem o meu perfil, de cuja extensão peço desculpa, encontram agora o nome de dois recheados blogues: TempoBreve e Sete Peles Sete Saias.
As Peles, depois de tanto tempo perdidas, foram achadas; estavam em coma, foram acordadas.

Quem as achou foi o TempoBreve, esse desgraçado, que não pode ver Saias, sem que meta nariz. Não só as achou, como as expôs. Asneira em cima de, como eu previra. Ingénuo, usei a chave dele para chegar às Peles e, vai daí, ele apodera-se logo das Saias, arrastando-as para junto de si: ele em cima, elas em baixo, tudo muito discreto, no meu soberbo perfil. Uma maldade. Dele.

Quem as acordou foi ela, a inominável, a dela, da tal, que, num conluio rápido com o TempoBreve, chegou até às Sete, e viu a miséria incipiente que nelas grassava. E ao verem-se lidas, sentiram-se beijadas, e, claro, acordaram. Sim, como na história do Príncipe Sapo. Uma maldade. Dela. Da tal. Da inominável.

Agora vai ser difícil escolher: Sete Peles Sete Saias? Ou TempoBreve?