quarta-feira, 28 de novembro de 2007

O gato que matou o cão

O gato que matou o cão foi um título sem história que deixei nesta página. Deixo-lhes agora a história que faz justiça ao título. É uma história que uma jovem, olhos pregados no chão, me contou baixinho, para que ninguém ouvisse. Disse-me que estava muito triste, mas para não me afligir, que não tinha sido nada com ela.
- O que é que foi, então? - Foi o meu gato que matou o meu cão. - Que matou o teu cão? Isso pode lá ser? - Pode! - O que queres dizer é que foi o teu cão que matou o teu gato, não é? - Não! Foi o meu gato que matou o meu cão. Ele era tão fofinho, e tão pequenino. - E quando é que isso foi? - Foi na quinta-feira passada. - E tu viste? - Não! Foi a minha mãe que me disse. - E disse-te quando? - No sábado passado, que eu só vou a casa no fim de semana. - E como é que foi? - Foi assim! Pelo menos foi o que a minha mãe me disse. Que estavam a brincar, e que o gato fez assim.
Quando a jovem disse "Foi assim!", recurvou os dedos hirtos, imitando garras, e raspejou-os rápidos no pescoço dela. E repetiu o gesto quando a seguir disse que a mãe lhe disse que "o gato fez assim". Eu disse-lhe que o gato pensou que o cão era um rato. E ela sorriu e disse, encolhendo os ombros:
- É! Bem decerto foi!
E foi-se sentar.

Algumas considerações

Não ensinaram, àquele cão inocente, a irresponsabilidade que é brincar-se com o perigo. Não ensinaram, àquele gato inocente, a irresponsabilidade que é não controlar os instintos primários. Mas se essa irresponsabilidade de não aprender é grande entre os animais, ela é muito maior, e de consequências mais graves, entre os homens, que se desresponsabilizam, com desculpas mil, da educação dos filhos, e os entregam a um ensino inócuo de sucessos forjados. E ficam contentes com esses sucessos, feitos de mentiras; ou então revoltam-se, se esse sucesso não é ainda o que querem na pauta; e protestam até, não contra quem devem, não para que se eduque, não para que se ensine, mas para que se dê a nota.
E vão escasseando, cada vez mais, os bons professores, que remam ainda contra a maré. Mas ainda os há. Eu conheço muitos.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Simpatia matinal

Acabei de responder agora aos comentários deixados nos textos Isso é impulso e Quem avisa amigo é.
E isso não foi impulso. Foi antes uma obrigação, ditada pela educação, que me deu muito prazer.
Se não tiver mais que fazer, faça o favor de os ler, que eu, desde já agradeço.
Desculpas pela demora. E faça o favor de viver um dia sem contrariedades; e não deite pela janela fora todos os pequenos prazeres que este dia lhe trouxer.
Ora agora digam lá, se não sou uma simpatia!
:-)

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Quem avisa, amigo é

Peço imensa desculpa, mas hoje não pude responder aos comentários aqui do Tempo. Fá-lo-ei muito em breve.
Gostaria também de os avisar que o Tempo anda zangado com as Peles. E ai de quem ele descubra que vai até às Peles para ler o que nelas está lá escrito.
Quem avisa, amigo é.
:-)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Isso é impulso

E se, de repente, você entrar aqui e não encontrar rastos recentes de mim, isso é impulso.
É o impulso que me leva a cumprir o meu dever de pão, e de apontar caminhos de pão; que me leva a vaguear por rua ou por praça a olhar sem ver, para descansar; que me leva sempre ao mesmo café para estar comigo, ou para ler, ou para escrever, ou para falar com quem queira falar; que me leva a correr para campos e montes, para não esquecer que, neste país, apesar de tudo, ainda há terra, e ainda há gente, que teima em viver; que me leva a outro lugar qualquer, a fazer outra coisa qualquer, que me dê forças para resistir, mesmo que passivo, a mandaretes autoritários que queiram fazer, do povo que sou, um povo imbecil, um povo indigente, um povo com medo, um povo impotente, como eles são.
Não vão conseguir. Esses senhores querem fazer crer que a legalidade da eleição e da nomeação lhes dá competência também. Mas sabem bem que não. Não vão conseguir. Hipócritas que são, esses senhores, principalmente os menores, os mais paus-mandados, escondem-se em silêncios, e mordem de furto. Mas não vão conseguir. E quando isto mudar, para manterem o lugar, vão ser os primeiros a dizer que sempre estiveram do lado dos ofendidos e humilhados - os que eles mesmos ofenderam e humilharem, quer por acção, quer por omissão.
Para amenizar a coisa, e não indispor ninguém - que eu digo tudo com muita inocência, e só a brincar -, voltemos ao princípio:
- Se, de repente, você entrar aqui e vir rastos recentes de mim, fique sabendo que isso é que é mesmo impulso, e que os deixei aqui de propósito para si.
:-)

To English speaking people

Hello! How have you ben?
So glad you have come. It was so nice of you. And I'm so sorry I haven´t let you know we can speak in English.

Então, como está?

Bom dia! Como está você? Bem? Assim seja, então. E que continue.
Tenha um bom dia.
E até breve, sim?
:-)

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Os comentários - os meus e os vossos

Ás vezes perco-me nos comentários. Respondo a todos, como é meu dever. Podia ser breve. Mas nem sempre o sou. Espraio-me neles por ali abaixo. É um defeito meu. Mas culpa também da gentileza dos comentários que vocês vão deixando ali.
E é assim que vou adiando os textos mais de pôr aqui neste mostruário, que, aparentemente, é o principal. Mas nem sempre é assim. Há comentários vossos, que mereciam bem estar aqui. Mas deixo-os lá. Prefiro comentá-los lá, no sítio deles. Por isso agradeço que, quem aqui vem, vá até lá para os ler também. Não tanto os meus. Mas os que me dão. É que se este blogue tem algum mérito, deve-o principalmente a quem aqui vem.
Também há quem venha aqui, e não comente nada. E faz muito bem. Vê o que quer. Concorda ou não. Dá um sorriso. Acena que sim. Acena que não. E vai-se embora. É mesmo assim. Só essa é que faltava que quem quer que venha se sentisse obrigado a dizer qualquer coisa em palavras escritas. Basta-me que venha. A sua vinda é já uma mensagem. Uma mensagem que aprecio e que agradeço.
Eu já lhes contei a história do príncipe sapo?

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Vejam lá se pode ser!

Tal como lhe competia, a fadaboa veio agora apagar o fogo, que ela própria ateou, ao contar aquela história da coelha afogueada - a tal. Tentou emendar a mão para salvar a pele, contando uma outra história, em forma de comentário, que deixou no texto em baixo - o tal da coisa no meio. Só que - e lamento dizer isto -, nessa segunda história, em vez de apagar o primeiro, arranjou segundo incêndio.
Como muito bem se lembram, ela, a fadaboa, viu a fotografia, e contou a primeira história. Contou-a muito bem, e disse que o coelho era coelha; que era duma determinada terra, dum determinado lugar; que se dava àqueles ímpetos, que eram de gratidão - os quais, por razões evidentes, eu não nomeio aqui; disse também coisas do galo, não muito abonatórias. Mas passemos adiante, que o que importa é a coelha.
Ora, como ela é fada, todo o mundo acreditou na sua história incendiária, deixando-me a mim, inocente, no meio daquele fogo, sem água para o apagar. Mas, até aqui, tudo bem.
Só que agora a fada dá o dito por não dito, e, na segunda história, diz que a coelha é coelho, e que o coelho é o Tempo. Vejam lá se pode ser!
A fada fez uma tontice graúda, desacreditando-se total e absolutamente. De tal modo que eu, embora seja mui crédulo, até já ponho em dúvida se ela é mesmo fada.
As fadas têm o condão de transformar o mau em bom. E ela fez tudo ao contrário: deu uma alegria à coelha, transformando-a em coelho; depois fez outra maldade, esta de bradar aos céus, fazendo do Tempo um coelho. Eu nem posso acreditar. Ninguém pode acreditar.
Até porque a fotografia mostra que o coelho é coelha, como na história primeira; e que ela é de ímpetos de gratidão e de agressão; e que tem figura hirta, esculpida por neuroses. Não. Aquilo é mesmo a coelha, sem ofensa para as outras.
E então aquela do Tempo se ter tornado coelho, essa não vou perdoar.
E é por isso que lhe digo que depois do que me fez vai passar a fada má, e ficar do lado de lá.
É que, nessa sua apetência de transformar o bem em mal, ainda me dá com a vara, e me torna em animal.
:-)

sábado, 17 de novembro de 2007

Alegoria ou não, eis a questão*

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* Isto é só para si. Por isso falo aqui em baixo e baixinho. O ponto de interrogação faz parte da tal manobra de diversão: é só para os pôr a pensar seja no que for, ou até em nada, só para ver se se esquecem daquela coisa que você sabe. O título? Não se preocupe com isso; eles não olham para cima. Esta nota aqui? Não se preocupe com isso; eles não olham para baixo. Eles só olham para o meio. Por isso eu o desenhei na forma de interrogação. Para os iludir, claro. Eles vão-se perder nesse meio. Mas você, não.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Boatos e alegorias

Corre por aí um boato dizendo que alguns professores leram os últimos textos publicados aqui, no Tempo e nas Peles. E que os leram todos, isto é, os comentários também - e nestes é que está a coisa. O boato foi despoletado por aquela imagem, tão inocente, do coelho ou coelhinha, com o galo ou a galinha. Vai aí uma grande confusão, a que estou inteiramente alheio, pois, se aqui há inocentes -, e há -, o inocente sou eu.
Eu disse que não era alegoria. Até escrevi um texto, dizendo logo no título que não. Não me serviu de nada. Todos dizem que sim, que é. E que eu não percebo nada, e que já não tenho nada com isso. Que os textos já são deles, e que eu não mando nada. Ora vejam lá só esta coisa!
Há os que choram a desdita de animais tão inocentes terem sido expostos aqui em poses menos que tais; há os que usam sarcasmos, e chamam nomes à coelha, chegando mesmo a dizer que ela não é coelha; há os que se atiram ao galo, afirmando perentórios, que aquilo é galito, embora descolorido, e sem afirmação masculina naquela pose que mostra; há ainda uns mais calados, que vão resmungando baixinho, e vão ensaiando bandeiras de desagravo à coelha, e de honra e glória ao galito.
Houve até um que disse que aquilo era um ajudante, daqueles muito esforçados, procurando procurando calar o tempo, só por que o galo canta as horas. Mas logo outro discordou: que era ajudante, sim, que queria tirar a pele ao galo, só porque ele ensina os pintos.
Vai uma grande confusão, neste reino da tal coisa. E eu já não sei que fazer. Vou ver se arranjo tempo, e monto uma chafarica, com subsídio e tudo, para lhes dar formação, ensinando-lhes aquele respeitinho antigo que se deve aos superiores, que velam por nós e bem.
Toda esta confusão, todas estas discrepâncias, são culpa duns sujeitnhos, uns anónimos, outros quase, que se puseram aqui a inventar em cima da minha inocência branca, despida de alegorias.
Eu que me esforcei tanto, vejam lá no que isto deu.
Ai, valha-me santa maria, assim com letra pequena! Mas mesmo muito pequena!

terça-feira, 13 de novembro de 2007

História que a fotografia encontrou*

O galo andava danado, mas não despia a pele de pavão, e muito menos a pose. No seu galinheiro mandava ele, que para isso o elegera a bicharada "de rabos sentados em cima dos cérebros"; pose estudada e cegamente obediente , que galo como aquele não se via há mais de três décadas. As galinhas é que se desagradavam por falta de choco.
Das espécies fêmeas, havia uma coelha dos lados da inducação (era assim o nome da sua terra) que gostava do galo, por causa que ele sempre a distinguira com deferências especiais, e até se empoleirava no galinheiro para a defender quando a restante animalada a atacava.
Vai daí, a coelha, que era assanhada - vá-se lá entender as más línguas -, um dia que apanhou o pavão-galo de crista eriçada a tentar fugir aos apupos da lacaiada reles e ressaibiada das suas habilidades independentemente conseguidas, aproveita a ocasião para lhe demonstrar, às escondidas, toda a sua espavorida excitação e veneração.
O que ela não contava era com a câmara indiscreta de um fotógrafo maroto nem com uns dedos maliciosos de um jornalista indiscreto.

fadaboa

* 1 - Esta texto, História que a fotografia encontrou, foi escrito pela fadaboa nos comentários a Fotografia à procura de história, e que está aqui logo abaixo; 2 - Agradeço-lhe a história e, como gostei dela, tomei a liberdade de a transpor para aqui; 3 - A fotografia continua nas Peles (isto para quem ainda a não viu); 4 - Só o título é que é meu, e tem a intenção de ligar os dois textos: o da fadaboa - História que a fotografia encontrou -, e o meu - Fotografia à procura de história.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Fotografia à procura de história

Aquela fotografia nas Peles não ficou bem. Improvisei. É uma fotografia de uma fotografia. Não consegui melhor. Mas vou conseguir. Depois, troco-a.
O que interessa são os dizeres que nela se vêem: os explícitos na legenda e na imagem; os implícitos, ainda mais nossos, a espreitar por entre as letras e por entre as imagens que a fotografia mostra.
Dava uma história, esta fotografia. Ai, dava, dava! Eu já me ri bastante a imaginá-la. Mas mandaram-me calar. E eu tive que.
Passou o momento. Fugiu-me o ritmo, e perdi o tom. Pode ser que voltem, os malandrecos, que ma anunciaram alegre. Você não os viu por aí? É que a fotografia está mesmo mesmo a pedir uma história.

sábado, 10 de novembro de 2007

Alegoria? Não!

Poderia deixar agora aqui um texto para si, mas não. Preferi uma imagem. Escolhi-a, arranjei-lhe título, mas não consegui copiá-la para aqui. Teimoso, perdi um tempão. Quando consegui, estava toda torta. Voltei a copiá-la. Voltou a ficar torta. Uma estupidez, este teimar sem saber.
Mas não perderam nada. Aquilo era um coelho a atacar um galo. E, agora que disse galo e coelho, assaltaram-me as dúvidas: seria galinha?; seria coelha?
De qualquer modo, aquilo não tinha jeito nenhum. E, além do mais, era perigoso. Podiam muito bem pensar que era uma alegoria. E eu estou a ser escutado, sabiam? E você não está?
Acho que ainda acabo por pôr aqui essa tal imagem. Mas, primeiro, tenho que tirar umas dúvidas: tenho que garantir que o galo não é cidadão; e que o coelho não é ajudante cumprindo obrigações que lhe dão.
Você acha graça, não acha? Mas olhe que não é nada fácil.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

O Alienista - enredo

Aqui lhes deixo um breve resumo do enredo de O Alienista. Retirei-o dum pequeno ensaio da autoria de José Emílio Major Neto, intitulado O ALIENISTA DE MACHADO DE ASSIS, e que vem publicado na parte final da edição, datada de 1993, que lhes apresento nas Peles. Gosto de ser eu a escrever, mas desta vez preferi assim. Atrevo-me a deixar aqui este breve resumo, pois acho que ele possa ter alguma utilidade para quem não conhece a obra; e porque estou convencido que ele não retirará prazer algum a quem a quiser ler agora. Ei-lo!

1º - O Dr. Simão Bacamarte recolhe à Casa Verde (edificação destinada especificamente a esse fim), os indivíduos que a sociedade sua contemporânea denomina como loucos ou doidos.

2º - A partir de seus estudos e análises destes indivíduos, ele formula a sua primeira teoria da loucura, qual seja: esta patologia humana é a manifestação do desequilíbrio existente nas várias funções mentais; assim, o não perfeito e absoluto equilíbrio das funções mentais já é indício de loucura.
Com esta constatação, ele começa a recolher na Casa Verde todos aqueles que não apresentam um perfeito e absoluto equilíbrio mental.

3º - Com o passar do tempo, a Casa Verde fica lotada, e o alienista percebe que mais de quatro quintos da população está encerrada entre suas paredes. Assim, é obrigado a rever a sua primeira teoria sobre a loucura, em função das estatísticas, ou seja: se a maioria da população de Itaguaí não apresenta um perfeito e absoluto equilíbrio das funções mentais, sendo tal aspecto característica marcante da minoria da população, a conclusão lógica e científica só pode ser a oposta. Assim, o perfeito e absoluto equilíbrio mental é que é indício seguro de loucura e insanidade. Os normais são os loucos, e os loucos os normais.

4º - O alienista liberta os antigos loucos, agora sãos e normais, e começa a recolher os antigos sãos e normais como loucos. Em seguida, as pessoas que apresentam um equilíbrio mental, vale dizer moral, perfeito, são submetidas a uma terapia que lhes faz despertar o gérmen da sanidade, ou seja, do desequilíbrio mental. Em pouco tempo a Casa Verde se esvazia, e Simão Bacamarte percebe que não foi responsável pela cura de nenhum deles. Todos os seus pacientes traziam em latência o gérmen da sanidade, ou seja, do desequilíbrio das funções mentais. Aqui, Simão Bacamarte formula a sua última teoria sobre a loucura e a sanidade humana, que o leitor certamente encontrou na conclusão da narrativa.

Resisto à tentação de especificar aqui essa última teoria, e suas consequências, porque, isso sim, poderia roubar-lhes o prazer da sua descoberta.

Notas: 1 – José Emílio Major Neto é brasileiro, natural de Uberlândia, MG. É formado em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia, MG. Em 1993, data da edição e do referido ensaio, era mestrando em Teoria Literária no IEL / Unicamp, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil; 2 – Só o texto em itálico é que é meu.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Uma tentação

Não se faça de desentendido, sim? Olhe que o texto O Alienista já está nas Peles. E não se queixe, que aquilo esteve para ser ainda mais demorado.
Mas quem é que me manda a mim escrever directamente na página do blogue? É que assim tenho que acabar o texto, dê por onde der, e dê eu as voltas que der.
Quer que lhe conte o enredo? Claro que não quer. Mas, só porque não quer, eu vou pensar no assunto. Até porque já está escrito. É só copiar. Uma tentação!
:-)

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Deve ser dos óculos

Tenho que fazer sair daqui para fora - para fora e depressa -, estas últimas páginas que escrevi no Tempo. Gostei muito de as escrever. Gostei muito de as pôr aqui. E quase poderia jurar que que foi só para mim que as escrevi; e que foi só para mim que as pus aqui. Para serem mais minhas, mostrando-as a outros em forma de prenda que me dei a mim, lembrando-me dele, e lembrando-o a ele.
Mas tenho que as fazer sair daqui para fora; para fora e depressa. Não que não goste cada vez mais de as ter escrito; não que não goste cada vez mais de as ter posto aqui. O que acontece é que alguns comentários se colaram a elas, perturbando-me a vista. Deve ser dos óculos. E eu não gosto de limpar os óculos.
Por isso tenho que as fazer sair daqui para fora; para fora e depressa.
Raios! Não há por aí uma coisa qualquer a que eu deite mão para as tirar daqui?
Vou confiar nas pontas dos dedos, que nos olhos não, tacteando as estantes, a ver se encontro um livro que me possa valer.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Palavras ditas

Passados uns dias, saiu do hospital. Passadas semanas, voltou para lá. Eu estava no Wisconsin, em Milwaukee. Fiz os últimos exame. Voei para Nova Iorque. Um telegrama esperava-me lá. De novo saíra. Já estava melhor. Eu podia ficar.
Em Nova Iorque, queriam que eu ficasse. Havia uma missão que a ninguém deram. Mas davam-ma a mim. Havia uma família que perdera um filho da idade que eu tinha. Eu podia dizer que sim ou que não. Mas disse que sim. Hello, Mrs. Petze! Hello, Mr. Petze! Hi, Karen and Debbie! How have you been? (1)
Passado um mês, toca o telefone. Era madrugada. Em Nova Iorque. Em Vila Verde, era já manhã. Era a voz dele. No hospital de novo. Uma voz serena. Que soava quente. Mas que era firme.
Não quero que venhas; eu disse-lhe que não ia. Eu só vim aqui ao hospital fazer um exame sem importância; eu disse-lhe que sim, que não tinha importância nenhuma. Amanhã ou depois, já estarei em casa; eu disse-lhe que sim, que já estaria. Não quero que venhas, percebes?; eu disse-lhe que sim, que percebia. Sei que várias universidades te querem e pagam; eu disse-lhe que sim, que era verdade. Escolhe a mais dura, a que seja melhor; eu disse-lhe que sim, que escolheria. Fica aí e sê um homem, ouviste?; eu disse que sim, que ouvira, e que ficaria e que seria. Esse é o meu sonho e desejo, e eu sou o teu pai; e eu disse que seu sonho e desejo seriam cumpridos, tal era o orgulho dele ser meu pai. Então faz como eu te disse e como tu me disseste; e eu disse que sim, que faria.
O telefone calou-se. O silêncio esmagou-me. Oito mãos passeavam pelo meu cabelo, pela minha face, e apertavam-me os ombros. Tinham entendido tudo, mesmo não sabendo uma palavra desta língua que é a minha. Thank you Mr. and Mrs. Petze! Thank you Debbie! Thank you Karen. Thank you so much, and I am so sorry, but I have to go; - We know you have; oh, yes, we know! (2)
Às cinco da tarde, no aeroporto Kennedy. Mrs. Petze disse: - You filled the place in my heart and turned its emptiness into sweet and loving memories; I know your heart is worried now, and soon it will be empty too; but sweet an loving memories will overcome; that will be so, I assure you. (3)
Pôs-se o sol, e em pouco tempo nasceu. Era meia noite em Nova Iorque, mas em Bruxelas era já manhã, quando eu cheguei. Só lá para a meia tarde havia ligação. Cheguei a Lisboa, já a noite caía. Pela madrugada, já estava em casa. O raio das horas nunca mais passavam. Que a minha viagem só teria um final quando pela manhã eu chegasse àqulele hospital.

1- “Olá srª. Petze! Olá, sr. Petze! Olá, Karen e Debbie. Como estão vocês?"
2- Obrigado sr. e srª. Petze. Obrigado, Debbie! Obrigado, Karen! Agradeço muito, e lamento tanto, mas tenho que ir; - Nós sabemos que tens; oh, sim, nós sabemos.

3 - Preencheste o vazio que havia no meu coração com doces memórias de amor; sei que o teu coração preocupado ficará vazio em breve; mas doces memórias de amor vencerão esse vazio; isso te asseguro.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Palavras escritas

Hoje fui visitá-lo. Pousei uma rosa na casa onde mora. Era vermelha. Ele sorriu. Só eu é que vi. Pousei outra ainda. Vermelha também. Sem que ninguém visse, devolvi-lhe o sorriso. E foi então que o descarado me sorriu de novo e, feito maroto, me piscou o olho.