segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Palavras ditas

Passados uns dias, saiu do hospital. Passadas semanas, voltou para lá. Eu estava no Wisconsin, em Milwaukee. Fiz os últimos exame. Voei para Nova Iorque. Um telegrama esperava-me lá. De novo saíra. Já estava melhor. Eu podia ficar.
Em Nova Iorque, queriam que eu ficasse. Havia uma missão que a ninguém deram. Mas davam-ma a mim. Havia uma família que perdera um filho da idade que eu tinha. Eu podia dizer que sim ou que não. Mas disse que sim. Hello, Mrs. Petze! Hello, Mr. Petze! Hi, Karen and Debbie! How have you been? (1)
Passado um mês, toca o telefone. Era madrugada. Em Nova Iorque. Em Vila Verde, era já manhã. Era a voz dele. No hospital de novo. Uma voz serena. Que soava quente. Mas que era firme.
Não quero que venhas; eu disse-lhe que não ia. Eu só vim aqui ao hospital fazer um exame sem importância; eu disse-lhe que sim, que não tinha importância nenhuma. Amanhã ou depois, já estarei em casa; eu disse-lhe que sim, que já estaria. Não quero que venhas, percebes?; eu disse-lhe que sim, que percebia. Sei que várias universidades te querem e pagam; eu disse-lhe que sim, que era verdade. Escolhe a mais dura, a que seja melhor; eu disse-lhe que sim, que escolheria. Fica aí e sê um homem, ouviste?; eu disse que sim, que ouvira, e que ficaria e que seria. Esse é o meu sonho e desejo, e eu sou o teu pai; e eu disse que seu sonho e desejo seriam cumpridos, tal era o orgulho dele ser meu pai. Então faz como eu te disse e como tu me disseste; e eu disse que sim, que faria.
O telefone calou-se. O silêncio esmagou-me. Oito mãos passeavam pelo meu cabelo, pela minha face, e apertavam-me os ombros. Tinham entendido tudo, mesmo não sabendo uma palavra desta língua que é a minha. Thank you Mr. and Mrs. Petze! Thank you Debbie! Thank you Karen. Thank you so much, and I am so sorry, but I have to go; - We know you have; oh, yes, we know! (2)
Às cinco da tarde, no aeroporto Kennedy. Mrs. Petze disse: - You filled the place in my heart and turned its emptiness into sweet and loving memories; I know your heart is worried now, and soon it will be empty too; but sweet an loving memories will overcome; that will be so, I assure you. (3)
Pôs-se o sol, e em pouco tempo nasceu. Era meia noite em Nova Iorque, mas em Bruxelas era já manhã, quando eu cheguei. Só lá para a meia tarde havia ligação. Cheguei a Lisboa, já a noite caía. Pela madrugada, já estava em casa. O raio das horas nunca mais passavam. Que a minha viagem só teria um final quando pela manhã eu chegasse àqulele hospital.

1- “Olá srª. Petze! Olá, sr. Petze! Olá, Karen e Debbie. Como estão vocês?"
2- Obrigado sr. e srª. Petze. Obrigado, Debbie! Obrigado, Karen! Agradeço muito, e lamento tanto, mas tenho que ir; - Nós sabemos que tens; oh, sim, nós sabemos.

3 - Preencheste o vazio que havia no meu coração com doces memórias de amor; sei que o teu coração preocupado ficará vazio em breve; mas doces memórias de amor vencerão esse vazio; isso te asseguro.

2 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro:
Há palavras que o vento não leva, apesar do POVO afirmar o contrário. Bom seria que todos os filhos pudessem ter recordações destas...apesar da angústia latente que se lê no seu texto. O nosso mal nem sempre é tão grande como parece, apesar de ser sempre o maior de todos!
Isto não serve de balsamo para feridas que teimam e sangram, mesmo depois das "curas" aplicadas. Ou talvez as "curas" não sejam apropriadas às feridas que sentimos...
Um abraço também não cura sempre...mas pode ajudar e é o que lhe deixo.

TempoBreve disse...

Meu caro:

Agradeço-lhe a paciência de ter lido as "Palavras ditas". E agradeço-lhe ainda mais os bons sentimentos que transparecem das suas sábias palavras.
O abraço que me manda, pela sensibilidade que nele se adivinha, pode não ser de curar, mas é certamente daqueles que ajudam a transformar a dor que mata em recordações que dão vida.
Um abraço para si também.
:-)