sexta-feira, 7 de março de 2008

Todos a Lisboa: contra a hipocrisia; pela liberdade sem medo

Estou tão cansado. Cansado. Apetecia-me ser estúpido. Tenho a desgraça de o não ser. E a consciência disso. Nisso o Pessoa tem razão. Só me vem à cabeça aquela pintura, o grito; só me vem à cabeça aquele verso “Apetece gritar mas ninguém grita”, com uma pequena modificação que resultaria em “Apetece gritar, mas poucos gritam”.
Resisti estoicamente à entrevista dada pela ministra. Foi muito bem conseguida para os seus propósitos, os dela; e os dele, do Sócrates. Confesso que, se não fosse professor, ou se fosse professor numa escola isolada do mundo, eu ia acreditar; eu ia pensar que os professores tinham endoidecido, ou que andavam na rua a brincar, sem saberem bem porquê.
Não veio esclarecer nada. Mas já é estúpido falar nisto, porque se ela soubesse, e pudesse, esclarecer alguma coisa com lisura, a opinião pública pôr-se-ia do lado dos professores. E isso não pode acontecer, pois os professores são o cordeiro a imolar no altar da propaganda para ganhar eleições.
Voltou a falar do maior sucesso obtido nos últimos anos. Mas nunca explica que esse sucesso é fictício. E nós não temos sido capazes que demonstrar publicamente, principalmente aos pais, que esse sucesso é fictício, que os alunos não saem melhor preparados, que é um sucesso muito fácil de conseguir. Tanto que este ano o sucesso vai crescer muito mais. Mas os pais, em casa, não sabem ou não querem saber disso, e agrada-lhes aquele discurso da ministra sempre a falar em sucesso.
Falou na avaliação. E insistiu na ideia, directa e indirectamente, de que os professores não querem ser avaliados. E, numa atitude de dar volta ao estômago, que eu já não sei se é cinismo, ou se é mesmo pobreza de espírito, disse até que esta (a dela) avaliação não era contra, mas a favor do professor, para o dignificar, para que progrida, para que possa ganhar mais mais depressa. Quanto ao modelo proposto disse que era muito simples, muito claro, muito transparente, muito favorável e protector dos professores. Muniu-se até de vários esquemas, que exibiu, dizendo-os falsos (Onde é que eu já vi esta rábula?). Só não mostrou o que hoje foi publicado na revista “Visão” – um verdadeiro monstro de ininteligibilidade. Nunca falou dos parâmetros da avaliação com clareza. Dos coordenadores avaliadores, desta vez chamou-lhes os mais seniores, mais experientes, os que mais trabalharam nos últimos sete anos. Isto é uma afronta, pois os titulares ascenderam ao título de forma automática e ilógica, criando injustiças tão inqualificáveis que ela - nem os dela, nem os que estão com ela -, nunca fala sequer nelas. E, lá por serem titulares, isso não lhes confere qualquer competência especial para poderem avaliar colegas. E os que o são, e acham que sim, mostram bem qual a bitola moral por que se balizam.
Praticamente não saiu do “sucesso”, visto por ela, nem da “avaliação”, também vista por ela. Mas houve alterações, e não só no tom de voz, que se amaciou, e se viu que foi estudado. Passou a atribuir o mérito do tal sucesso de que se ufana ao trabalho dos professores, coisa que até aqui nunca fez, pois, até aqui, o mérito era todo das suas geniais medidas apressadamente impostas. Passou também a falar na necessidade de dignificar os professores, depois de tudo ter feito para os ter humilhado. Disse mesmo que o país estava agradecido aos professores. O cúmulo da hipocrisia, pois estava a dizer aquilo exactamente para pôr a população contra nós.
Para além do habitual, que é dizer sempre o mesmo, e destas alterações, feitas para incautos crerem, disse coisas de espantar, e que nem vou comentar:
. Aquela do professor ir a casa do aluno buscá-lo para vir às aulas, e dever ser valorizado por isso;
. Aquela de que todas as escolas (depois corrigiu para “muitas”) estarem a aplicar o modelo de avaliação “com entusiasmo e competência”.
. Aquela de que os professores são inocentes e que estão a ser manipulados – uns carneiros, estes professores! -, por partidos de direita e por outros, dizendo mesmo que a nossa contestação está partidarizada.

Voltando ao princípio: apetece gritar. O discurso dela cumpriu bem a sua função de propaganda contra os professores, tentando desmobilizá-los, tentando dividi-los e, mais importante, passando a mensagem para a opinião pública de que os professores não querem é mesmo trabalhar, não querem ser avaliados, não sabem o que querem, porque não têm alternativas e se deixam manipular facilmente, não entendem a bondade paciente do seu discurso, que até os louva, e os quer ajudar a progredir.
Claro que tudo isto é propaganda e demagogia; claro que é mentira que haja entusiasmo em alguma escola (poderá haver é medo); claro que o modelo de avaliação está generalizadamente paralisado e é um monstro gerador de arbitrariedades; claro que é mentira falar dum sucesso real; claro que é mentira dizer que os professores ainda não compreenderam a "bondade" das suas políticas.
Mas nós que é que fizemos para contrariar tudo isto? Fomos deixando andar, ora por incúria, ora por comodismo, ora por não acreditarmos que tais políticas seriam possíveis, dado o seu anacronismo. Reagimos muito tarde.
Mas ainda vamos tempo. Há muito que discutir. Há muito que repensar. Há que começar de novo. Há que exigir começar tudo de novo. Mas agora nada disso interessa. Mas agora isso não importa. Tudo isso está condicionado pelo sucesso da manifestação de amanhã, sábado, em Lisboa. Temos que afirmar bem alto a força da nossa revolta. A força da nossa mágoa. A força da nossa razão. O sucesso dessa manifestação vai condicionar todo o trabalho que temos pela frente. E que é muito. Para repensar tudo. Para responder lucidamente a tudo, não deixando que nos isolem.
Por isso, nada de pruridos. Nada de hesitações. Não interessa nada do que está para trás. Agora, nesta hora, é a hora. E a hora começa em Lisboa.
Eu vou estar lá, com aquela convicção profunda de que eu, sozinho, e por mim, não faço lá falta nenhuma, nem alterarei em nada a força da manifestação, mas que, apesar disso, tenho mesmo que estar lá.
Acorramos a Lisboa, amigos!
Pela nossa honra. Pelos nossos alunos. Pelos nossos filhos. Pelos nossos netos.
Acorramos a Lisboa, amigos.
Contra a teimosia absurda e estúpida. Contra o medo.
Acorramos a Lisboa, amigos!
Por um Ensino Público de qualidade. Pela democracia. Pela liberdade
.

13 comentários:

Anónimo disse...

Para o António Mota,combatente de Abril,homem de grandes lutas, que gosta de remar contra a maré e que ainda se bate por ideais(palavra infelizmente tão em desuso)aqui deixo,com esta dedicatória pessoal,as palavras sentidas e sábias de Sophia,escritas num tempo que,para nosso mal,já não parece estar tão distante.

Porque os outros se mascaram mas tu não.
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Post scriptum
1-Não gosto nada de escrever nestas coisas mas,desta vez,tinha de ser.Não podia deixar de te mandar este abraço por escrito.
2-Um abraço também para as "padeirinhas"(já lhes chamam isso)do Dona Maria II por terem tido a coragem de aprovar um documento que espelha ,de forma perfeita, o pensar e o sentir da imensa maioria dos professores.Mas ainda há muitas Aljubarrotas pela frente.
3-Só espero que o nosso "amigo" Miguel Sousa Tavares ,que gosta tanto de tribunais,não me processe por uso indevido de um poema da mãe.
4-Felizmente,na nossa classe os "outros" vão sendo cada vez menos.

ATÉ AMANHÃ CAMARADAS
PASSEM POR MIM NO ROSSIO

José Coimbra

TempoBreve disse...

José Coimbra!

Obrigado pelo teu comentário, e, principalmente pelo teu abraço.
É de uma adequação imensa nos tempos presentes o poema da Sofia. E é uma ironia imensa o facto de de o Miguel de Sousa Tavares não conseguir ligar este poema à luta que os profesores hoje travam. Enfim!
Vindo de ti, o comentário tem outro sabor.
Obrigado.
Um abraço.
Até amanhã.

Anónimo disse...

Eu tenho tanto orgulho de ser tua colega; eu tenho tanto orgulho de quem luta por ideais sem hipocresia;eu tenho tanto orgulho nos que são coerentes na prática e no terreno; eu tenho tanto orgulho de pertencer ao Departamento de Línguas e Literaturas da Escola Secundária Dona Maria II em Braga, que daqui vai o meu abraço de sempre e a minha admiração,ó porta-voz das nossas vozes esganadas!
E já que o Zé Coimbra citou a nossa Sophia, eu recordo Luís de Sttau Monteiro"Há homens que obrigam todos os outros a reverem-se por dentro"ou ainda "Todos somos chamados na vida a desempenhar um grande papel".

"É a Hora!"

Abraço

Anónimo disse...

E já que o Zé Coimbra citou Sophia Andresen e já que a Isabel recordou Sttau Monteiro,quero,sem demora,citar Zeca Afonso:
«Quando a corja topa da janela
O que faz falta
Quando o pão que comes sabe a merda o que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
o que faz falta

Quando nunca a noite foi dormida
O que faz falta
Quando a raiva nunca foi vencida
O que faz falta
O que faz falta é animar a malta
O que faz falta»
Até amanhã,colegas!

TempoBreve disse...

Isabel!

As citações que tu e o José Coimbra me dedicam têm um peso tamanho que ante elas eu me vergo.
Sinto-me muito honrado. Honrado e sufocado. Mas, como não posso com o peso que elas têm, eu as devolvo inteiras a ti, minha cara Isabel, e ao José Coimbra de sempre. E dedico-as eu mesmo a todos os colegas que não temem empunhar uma bandeira, ou defendê-la, seguindo-a: a bandeira da dignidade, a bandeira da justiça, a bandeira da liberdade.
Mesmo não podendo estar lá, estarás connosco em Lisboa, porque te levamos connosco dentro do coração.
Até sempre.
Um abraço.

TempoBreve disse...

Eduarda!

Toma como sendo também para ti os comentários que deixei para o José Coimbra e para a Isabel.
Obrigado.
Um abraço.
Até amanhã.

Carpe Diem disse...

Gostaria de saber onde a ministra estudou para suplicar que nunca me coloquem lá, mas tambem nao é muito dificil, deve ser qualquer coisa como a universidade independente ou por esses lados.
Continuaremos fielmente a lutar a favou dos nossos professores, se a ministra nao quiser respeitar os professores por serem provessores respei-te os professores por serem humanos, pois todos os professores antes de serem professores sao humanos e nenhum humano tem direito a esta afronte.
Ninguem nos calará.
A proposito do meu blog gostaria que fosse mais espessifico na "avaliaçao" que lhe faz por favor, nao se preocupe em afirmar que esta mal se estiver, quem é avaliado uma vez é avaliado duas ou tres.
Estamos com os professoes
Um abraço

TempoBreve disse...

Carpe Diem!

Responderei em breve.
Um abraço.

Anónimo disse...

Sou socialita,mas abaixo a ministra

Amanhã esta será uma palavra de ordem.
Felicito-o.

Colega da Escola Carlos Amarante.
Parabéns ao Departamento de Línguas.

Abraço para todos.
Até à luta!

TempoBreve disse...

Caro colega!

Se leu alguns dos meus textos, parecer-lhe-ão muito aguerridos. Mas eu estou convencido que a nossa luta também é pelo Partido Socialista. É que eu recuso-me a aceitar que os amigos que tenho nesse partido estejam contentes com algumas coisas que se estão a passar, principalmente na Educação. Faço-lhes essa justiça. E, embora não tendo partido, já defendi algumas causas tendo-os por companheiros.
Eu fiz estágio na sua escola e fiquei lá colocado no ano seguinte. Por isso, também sou da Escola Secundária Carlos Amarante.
Obrigado pelo seu comentário. E por ter dito que é socialista. Isso dá-nos uma certa esperança acrescida.
Mando-lhe um abraço.

Anónimo disse...

Pedia à minha colega da Carlos Amarante,se não quiser saír do anonimato,o favor de se dar a conhecer na escola ou na manif se lá nos encontrarmos.

José Coimbra

Elisabete disse...

Muito bem, meu amigo!
Emocionou-me e pôs-me a chorar.
Eu também acho que é a hora de exigir o máximo: um Ensino de qualidade, a dignificação e o respeito pelos Professores, pelo futuro dos Alunos e do País.
Este é o ponto zero da mudança.
Não podemos quebrar nem desistir!
Começo a ter orgulho nos Professores do meu País.
O meu coração está convosco. Até ao fim!
Abraços e flores para todos vós!

Anónimo disse...

Gracinda Castanheira:
Também "Não sou de nenhum sindicato. Não sou de nenhum partido. Mas estou de acordo com quem diz que, com esta senhora, e com os seus ajudantes, já nem se pode falar.
Ai estes professores que estão a perder o medo!
Espero bem que ninguém volte a ter medo depois de tal união.
TEMPO BREVE,BREVE É O TEMPO QUE TEMOS PELA FRENTE PARA A LUTA.
Como titular e elemento do pedagógico vou proceder ao levantamento de todos os titulares,à formação académica de cada um, à formação profissional, para provar que com o que existe nas nossas escolas, nenhuma avaliação séria pode ser feita mesmo para as grelhas da senhora ministra...
Pode-me fornecer o seu mail?

Abraço lvre sem medo