segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Voa, Belinha, voa!*


-Pula, Belinha, pula! Agora, Belinha, agora! Isso! É mesmo assim! E como tu pulas bem! Vês como é bom pular?
Não estou a supor imitar quem nunca poderia ser imitado. Mas certamente era assim, com estas voltas ou outras. E ouso adivinhar que ele depois dizia, baixinho e só para si:
-Quanto mais alto pulares, mais te afastarás do chão, o que me vai alegrar; quanto mais te afastares do chão, mais vais gostar de pular cada vez mais alto ainda, o que me vai envaidecer.
Acho que depois de dizer isto, desta maneira ou de outra, uma sombra no pensar fazia-o parar um pouco:
- Ela, por este caminho, ainda aprende a voar, e um dia pode cair, e pode-se magoar.
Mas afastava logo a sombra:
- Se ela se magoar, é porque aprendeu a voar, e eu quero-a assim ave, e não galinha rasteira.
Logo a seguir soltava a voz, para que a ouvissem bem:
- Pula, Belinha, pula! Salta, Belinha, salta! Dança, Belinha, dança! Canta, Belinha, canta! Voa, Belinha, voa!
E quando mais tarde o rio corria já para o fim, quase juro que dizia, num murmúrio só para dentro:
- Voa, Belinha, voa! Voa por ti e por mim! Voa agora e até ao fim, que sempre que tu voares, voarei sempre contigo, escondido dentro de ti.
___
Nota: Um belo dia, a Isabel Fidalgo escreveu um lindo texto evocativo de seu pai, no seu blogue Frutos de mim e mar. Partindo dessa evocação, eu recriei em comentário a possível voz daquele pai brincando com ela. Ontem, a Isabel devolveu-me esse meu texto, deixando-o nos comentários de A mentira só perdura enquanto a verdade não chega.. Li-o e fiquei contente. Por isso o deixo aqui agora, de novo para a Isabel ( a quem, pelos vistos, o pai chamava Belinha), e para todas as Isabéis que, por qualquer razão, possa ver no texto acima, a voz do pai que têm ou tiveram.

9 comentários:

Ibel disse...

UM BEIJO.OBRIGADA,ANTÓNIO MOTA!

TempoBreve disse...

Minha cara Isabel!
Mas quem tem que agradecer sou eu. Pelo beijo e pelo texto que escrevi. O texto foste tu que mo deste com o texto que escreveste evocando o teu pai. Que sorte tem o teu pai pelos textos que escreves; e que azar ele tem por não os poder ler para si e sorrir. Mas, quem sabe? E que sorte tive eu de ter uma colega assim; e que azar tive eu de só agora no fim, quando tudo está no fim, eu me ter apercebido que tu eras mais que tu, apesar de já seres muito.
:-)

Elisabete disse...

E a Belinha voou. E, como a gaivota, voou mais alto e vê mais longe...
Beijos

TempoBreve disse...

Olá, Elisabete!

Refreio-me sempre para não dizer o seu nome em inglês. Não por manias minhas, que seriam aceitáveis, ou por quaisquer pretensões, que seriam legítimas, mas por causa duma menina que vendia flores na rua, e com a qual eu dancei em palco, e que se apaixonou, como deve ser, pelo professor que lhe caiu em sorte, mas não era eu, que eu era o príncipe.
Enigmático? Nada disso. Estou tão só a brincar às memórias.
Você tem razão quanto à tal Belinha. Mas olhe que ela "inventa" muito quando escreve aqui.
Um beijo para si também.

Anónimo disse...

E deslumbrante e magnetica a forma como nos conta esta fabula!Sem duvida um estoria em que prevalece a moral gratificante.O autor consegue assertoar bem a felicidade com a virtude, conforme os melhores principios Kantianos,e claramente avesso a qualquer pretensao niilita.Nota-se,contudo,e nao o deveria deixar de mencionar,um certo,mas bem sentido, "discurso", demontrativo de possivel inquietacao interior ou ambivalencia na opcao de conceitos mais amplos e pertencentes a esfera pessoal do autor.No sentido da leitura em si a obra pauta-se por nota excelente.

Anónimo disse...

Dizem,lendas antigas,que os espiritos dos poetas mortos e escritores mal compreendidos se encontram em um lugar onde existem bosques sem fim.Lindas ninfas acompanham estes espiritos que deambulam calmamente, com passos silenciosos,sob as copas de arvores frondosas por onde
perpassam finos raios de luz divina.E deambulam,deambulam,flutuando calmamente, esperando por muitos seculos o momento em que se possam fundir com a eternidade.

TempoBreve disse...

Caro anónimo ( O penúltimo)!

Não posso deixar de agradecer a sua vinda aqui e a análise que faz do meu texto. Poderia, se quisesse, ver nesta alguma ironia. Mas não vejo. Vejo, isso sim, que a sua perspicácia se expressou de forma assaz benevolente.
Quanto à "inquietação interior ou ambivalência" quem as não tem, mesmo não sabendo que as tem?
Só mais uma coisa: o sentido da leitura em si é o que mais me importa.
E termino como comecei: agradecendo a sua visita aqui e a análise que aqui deixou.

TempoBreve disse...

Caro anónimo ( O último)!

Como bem sabe, bem melhor que eu, lendas e mitos dizem muito mais do que aquilo que à primeira vista parecem dizer. A nossa linguagem débil, que no-las traz, não é bastante para chegar à sua natureza profunda. Dizem que essa natureza é que é a verdade, ou a realidade. Eu não sei se é bem assim, mas socorro-me deles e delas, dos mitos e das lendas, para ir tentando perceber sempre mais.
É bonita a lenda que me deixou aqui. Obrigado por ela, e pela sua visita também.

Anónimo disse...

Desejamos-te uma Pascoa Feliz,com muito amor,e muita alegria.