quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Seja a ousadia nossa companheira

Escrevi aqui que os dois mil professores que estiveram no sábado, dia 24, em frente ao Palácio de Belém eram muitos mais que os dois mil que lá estavam: eram toda uma classe que representavam. O seu objectivo foi fazer um apelo em forma de denúncia crítica: apelo para que intervenha; denúncia critica pelo seu silêncio. Os professores fizeram o que deviam. Afinal, o senhor Presidente da República é o mais alto magistrado da nação. De certeza que ele os ouviu. E uma palavrinhas suas, por ténues que fossem, seriam sempre bem-vindas a este reino de aflição que consome os professores.
Eu bem sei que alguns dos promotores da concentração arriscaram dizer publicamente que reunir entre quinze e vinte mil seria muito bom. E seria. Mas eu acho que esse número avançado era mais a expressão de um desejo mobilizador do que uma convicção fundada, até porque eles parecem-me professores que estão nas escolas, conhecem os professores e sabem a situação em que os professores se encontram. Por isso, quanto a mim, e para o objectivo pretendido, os dois mil chegaram muito bem.
Voltei a esta questão pois, quanto a mim, é melhor ousar agindo do que ficar sentado à espera, entretido em minudências tácticas, buscando todo e qualquer argumento para se poder sempre reivindicar um sucesso - mesmo que esse sucesso não seja necessariamente o sucesso dos professores -, e se poder sempre também assacar culpas a outros quando e se o insucesso vier. Sim.
Não estou a enterrar a cabeça na areia dizendo que os poucos são muitos; foram os bastantes para nos representarem bem. Não estou sequer a defender os movimentos independentes que promoveram a concentração, que eles não precisam, são muitos mais que eu, sabem mais que eu, e fizeram muito bem. O que estou a querer dizer é que discordo em absoluto da crítica apressada e fácil, directa ou insinuada, que fui lendo e ouvindo a propósito da concentração a que me refiro, crítica essa feita com expressões-tipo já fora de tempo, e não fundamentadas, e também com comparações absurdas com as manifestações e com as greves muito bem sucedidas.
Os movimentos independentes de professores, e outros professores individualmente considerados, têm a força das suas ideias e daquilo que sentem, mas não têm a força de uma estrutura logística nem de uma estrutura legal de representação que lhes potencie a acção. Mas essas estruturas existem. Oxalá que quem as dirige seja mais inventivo, mais clarividente, mais ousado, menos calculista, menos defensivo, menos timorato. Mesmo sendo críticos, nós estamos aqui para os acompanhar. Isto é, se eles não preferiram serem como os tais, de que falei acima, que esperam sentados, entretidos em minudências tácticas, reivindicando sucessos para si mesmos, e assacando culpas aos outros. Mas eles não são como esses tais, pois não?
Os milagres existem. Mas nem sempre podemos esperar sentados que eles aconteçam. Às vezes devemos ousar forçá-los um pouco. Seja, pois, a ousadia nossa companheira.

6 comentários:

Anónimo disse...

Obrigada pela tua força. Hoje, estou um pouco mais animada. Depois de dias de verdadeiro sofrimento, mais alguns colegas decidiram juntar-se aos resistentes, apesar de a pressão se enorme e o ambiente muito pouco saudável. Na escola, temos criado verdadeiros (julgo) laços de amizade e vamo-nos apoiando uns aos outros, mas a tua «presença» e o teu apoio são, para mim, preciosíssimos.
Saudades tuas muitas! Obrigada.

TempoBreve disse...

Helena!

Claro que estás mais animada. O sofrimento também tem o condão de reforçar a determinação. E, no meioo da guerra, invade-nos uma sensação de serenidade reconfortante quando fazemos o que achamos certo. Gosto de te ver no grupo dos resistentes. Eu sei que não é fácil. Mas é necessário.
Eu também descobri amizades de que não suspeitei, admirações que nunca previ que viesse a ter, e reformei e muito as que já tinha. Mas não generalizemos, que isto de apreços, amizades e afectos é muito selectivo, não é?
O que está a acontecer nas escolas, dê por onde der, vai dar muito que falar. E os teus filhos vão gostar de saber a trincheira que tu ocupaste.

Um abraço.

Anónimo disse...

Projecto de Despacho


Considerando que o voluntariado é uma actividade inerente ao exercício de cidadania que traduz uma expressão de solidariedade com a sociedade, contribuindo de forma livre e organizada para a solução dos problemas que a afectam;


Tendo presente que importa aproveitar o capital humano disponível na pessoa dos professores aposentados que percorreram um caminho de excelência e têm particular aptidão para transmitir aos seus pares conhecimentos e saberes, em harmonia com a cultura e objectivos da Escola;


Tomando em consideração que o eventual contributo dos professores aposentados, tendo subjacente um conhecimento privilegiado da realidade escolar e uma consciência global baseada numa visão multidimensional dessa realidade pode, enquadrado nos parâmetros definidos pela Lei n° 71/98, de 3 de Novembro e pelo Decreto-Lei n° 388/99, de 30 de Setembro, assumir um relevo muito significativo;


Considerando, ainda, que um tal trabalho dos docentes aposentados se constituirá como uma actividade assente no reconhecimento das suas competências científicas, pedagógicas e cívicas, exercida de livre vontade, sem remuneração, numa prática privilegiada de realização pessoal e social;


Tendo em conta que, por outro lado, resultará garantida a autonomia da Escola, na medida em que a eventual prestação dos voluntários apenas pode decorrer de urna explícita manifestação de vontade por parte daquela, consubstanciada na aprovação de um programa de voluntariado, cabendo à sua Direcção, perante a apresentação das disponibilidade, a eventual selecção do candidato que considere reunir o perfil adequado para as funções em causa.


Considerando, por fim, que o desenvolvimento da actividade em apreço pressupõe que o voluntário não substitui os recursos humanos considerados necessários à prossecução das actividades da Escola;


Assim, nos termos do n° 3 do art° 4° e do art° 9° da Lei n° 71/98, de 3 de Novembro, e do n° 2 do art° 2° do Decreto-Lei n° 389/99, de 30 de Setembro, determina-se:




A Escola/Agrupamento de Escolas, caso entenda manifestar o seu interesse em projectos de voluntariado, adopta para o efeito os seguintes procedimentos:

a) Publicita a oferta pelos meios que considere adequados;

b) Selecciona e procede ao recrutamento do(s) voluntário(s), através dos respectivos órgãos de gestão, de acordo com as necessidades;

c) Estabelece com os candidato(s) o respectivo(s) programa(s) de voluntariado;

d) Disponibiliza ao(s) voluntário(s) os instrumentos de autonomia em que se enquadra e desenvolve o trabalho (Projecto Educativo, Regulamento Interno, Plano de Actividades e outros);

e) Avalia periodicamente a(s) prestação(ões) do(s) voluntário(s);

f) Adapta os instrumentos da autonomia aos novos preceitos legais do trabalho voluntário;




Os procedimentos referidos no número anterior concretizam-se tendo em conta os seguintes aspectos:

a) No início de cada ano lectivo, a Escola/Agrupamento de Escolas publicita as suas necessidades, estabelecendo o perfil do(s) candidato(s) a recrutar;

b) O período de recrutamento pode, no entanto, face a razões excepcionais devidamente justificadas, ocorrer em qualquer outra altura do ano;

d) Apresentadas as candidaturas, a Escola/Agrupamento de Escolas selecciona o(s) candidato(s) e aprova os respectivo(s) programa(s) de voluntariado, dando, na sequência, conhecimento do(s) nome(s) seleccionado(s) e respectiva(s) área(s) de intervenção à direcção Regional de Educação.




a) O programa de voluntariado tem a duração de um ano lectivo, sendo renovável por iguais períodos de tempo;

b) A prestação do professor voluntário implica um mínimo de três (3) horas por semana;

c) O trabalho do voluntário pode ser dado por findo, por iniciativa do próprio ou sempre que o órgão de gestão da Escola/Agrupamento de Escolas entenda que deixaram de existir as razões subjacentes ao seu recrutamento, mediante aviso prévio, devidamente fundamentado, com antecedência mínima de 30 dias.




Com vista à coordenação do trabalho voluntário, a nível de cada direcção regional de Educação, é criada uma estrutura de coordenação, integrada por professores voluntários, com as seguintes funções:

a) Enquadrar, acompanhar e apoiar o trabalho voluntário;

b) Inventariar experiências de sucesso e promover a sua difusão;

c) Estabelecer a ligação com as demais estruturas de coordenação.




Para efeitos do presente Despacho, consideram-se áreas de eventual intervenção do professor voluntário designadamente as constantes do anexo ao mesmo, que dele faz parte integrante.




a) Os professores voluntários, a quem no desempenho da actividade é reconhecida a sua dignidade docente, têm acesso, com observância das disposições legais e regulamentares pertinentes, aos documentos que sirvam de referência e se tomem imprescindíveis à sua acção;

b) Os professores voluntários, no desempenho da sua actividade, respeitam e agem em conformidade com a cultura da Escola/Agrupamento, observando os respectivos Projecto Educativo, Regulamento Interno e Plano de Actividades;

c) Os professores voluntários elaboram um relatório anual da actividade que deve integrar uma autoavaliação do trabalho desenvolvido.

d) No que respeita a despesas decorrentes do cumprimento do programa de voluntariado, designadamente quanto à utilização de transportes públicos, rege o disposto no art° 19° do Decreto-Lei n° 389/99, de 30 de Setembro.


Em, Dezembro de 2008.


O SECRETÁRIO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

(Valter Victorino Lemos)


ANEXO

Áreas de eventual intervenção do professor voluntário

- Apoio à formação de professores e pessoal não docente;

- Planeamento e realização de Acções de Formação para Encarregados de Educação;

- Apoio a professores - na programação, na construção de materiais didácticos;

- Apoio a alunos nas salas de estudo;

- Apoio e integração de alunos imigrantes - complementando o trabalho levado a cabo pelas escolas, nomeadamente através do reforço no ensino da Língua Portuguesa ou na ajuda ao estudo das disciplinas;

- Ajuda ao funcionamento das bibliotecas escolares / Centros de Recursos Educativos - através de projectos de leitura recreativa, ajuda à pesquisa bibliográfica ou electrónica, elaboração de trabalhos;

- Apoio aos Projectos Curriculares de Turma - através, nomeadamente, do apoio à interdisciplinaridade (análise e concertação de programas);

- Acompanhamento dos percursos escolares dos alunos;

- Apoio a visitas de estudo;

- Apoio burocrático-administratívo;

- Dinamização do binómio Escola / Família - através da ajuda na mediação escolar ou na recolha, criação e divulgação de materiais sobre temas de interesse dos Encarregados de Educação;

- Articulação Vertical e Horizontal dos currículos, privilegiando o contacto com as escolas e a programação vertical (ou horizontal) dos programas e de outros projectos visando o sucesso educativo dos alunos;

- Articulação de Projectos internos ou Escola / Autarquias/ Empresas visando a angariação de recursos e/ou integração profissional de alunos;

- Dinamização de Projectos de Aproximação da Escola ao Meio buscando o envolvimento da comunidade nas actividades escolares tendo em vista a consecução de objectivos específicos;

-Apoio e dinamização de actividades extracurriculares com a criação e/ou ajuda na dinamização de Clubes de Tempos Livres;

- Participação no Observatório de Qualidade da Escola/Agrupamento de Escolas;

- Elaboração da biografia da Escola / Agrupamento de Escolas;

- Criação e dinamização de um espaço de informação para professores sobre congressos, efemérides, projectos escolares, projectos sociais, publicações, boas práticas...;

- Apoios específicos em áreas de formação académica dos candidatos;

- Envolvimento em Projectos de melhoria da sociedade local;

- Desempenho de funções de tutoria;

- Apoio a programas de investigação.


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Carlos Seixas

TempoBreve disse...

Carlos Seixas!

Muito agradeço o Projecto de Despacho, assinado pelo inefável Valter Victorino Lemos,que me deixaste aqui nos comentários. É muito curioso, principalmente os considerandos, se tivermos em conta que muitos professores se aposentaram "compulsivamente" este ano em ruptura definitiva com as políticas e os métodos do Ministério da Educação.
Isto que digo em nada afecta os valores do voluntariado em si.
Um abraço agradecido.

Anónimo disse...

ò António Mota, hoje apeteceu-me brincar contigo, depois de uma colega ter lido na sala de professores essa proposta (brilhante!) do Carlos Seixas.Então disse:vou postar isto no Tempo Breve para lhe puxar pela veia, porque eu adoro a tua ironia velada.Mas tu foste parco nas palavras.
Que pena!!!!!!

P.S. Estou perdoada?

TempoBreve disse...

Olá, Isabel, senhora e dona!

À Isabel, perdoava. Agora, que "viraste" Carlos, não sei se perdoarei. Eu sou muito limitado em termos de transmutações, pelo menos quando afectam aquele feminino tal, que agora não nomeio. O mulher, o que te deu para mudares tanto assim? Isso é coisa que se faça? Mas isso é outra história.
Fui poupado nas palavras porque desconfiei da veracidade daquela coisa intitulada "Projecto de Despacho". E gato manhoso não se atira assim do telhado sem mais para vir a estatelar-se na impiedosa praça pública. Por isso, só agradeci, e manifestei curiosidade.
E devo confessar também que aquela literatura (perdoe-me a Literatura ela mesma)está prenha de verosimilhanças, no conteúdo e na forma. Cheguei mesmo a escrever. um ou dois parágrafos introduzindo de introdução ao comentário. E pode bem acontecer que ainda os ponha aqui.
Vê se não armas confusões, e volta de novo à Isabel, que isso de virar Carlos é uma modernice sem jeito, muito a modos do "teu" Sócrates.
Um abraço frouxo, que tu agora és Carlos.
:-)