segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Um atrevido, é o que ele é

Pelo sim pelo não, tomei o cuidado de fechar a porta da rua sem qualquer ruído. Atravessei o pequeno corredor em bicos de pés. Do mesmo modo, as escadas até ao primeiro andar. A cada passo lento e leve intensificava-se um cheirinho a Borkum Riff. Era o meu tabaco. O nariz me guiou. A porta do meu gabinete estava escancarada. Em frente, a janela. No parapeito, muito bem alinhados, por tamanhos, os meus cachimbos brilhavam de limpos e ao sol ténue da manhã bem fria. Quem é que os limpou? Quem é que os alinhou? Quem é que sabia que que gostam de sol?
Pertguntas não eram feitas, já eu estava junto à janela, confirmando a sabedoria dos cuidados havidos. Só então reparei que o cheiro ficara para trás. Eu estava de costas, e não me virei. Ia jurar que a fonte aromática estava escondida por detrás da porta. Não me virei, mas, se me virasse, quase jurava que ia ver mesmo pequenas nuvens de fumo redondo pairando.
Eu estava de costas e não me virei. Estava ali o intruso. Ali mesmo por detrás da porta. O toleirão. Só podia ser ele. Iluminou-se-me o rosto com um sorriso que há muito não tinha. Era ele. Tinha voltado. E eu tinha que fingir não ter dado por nada. E que ele não estava ali.

4 comentários:

Inês disse...

Tenho saudades do cheiro a cachimbo :)

Ainda bem que voltou!

Ibel disse...

Este é o António Mota com a sua prosa inconfundível. Pensei que não regressasses e era pena.A Bianca espera o prícipe encantado que a retire do livro; a água continua à espera de passos sobre o azul; a ternura da árvore, que deve estar a romper em flor, pede pente que a penteie e mãos que a dispam da agonia da chuva; o granito encantado jaz adormecido; o tanque da tua quinta pede um corpo e um olhar no silêncio da noite, piscando os olhos às estrelas.
Ainda bem que voltaste e que ele voltou.Será quem eu penso? Talvez.Arrisco-me a dizer que tenho a certeza.Ah,o malvado e atrevido com quem te pareces tanto!
E se não for ele?É que tu és imprevisível...
Seja lá quem for, ainda bem que acenaste e abriste a janela, pois "a ternura é assim".
Toma lá um beijo, António!

Unknown disse...

tenho saudades suas...

ainda bem que voltou a escrever aqui...

beijo

Adriana Pacheco Carneiro disse...

É sempre muito bom passar por aqui...

Deixo-lhe um abraço e beijinho,
Adriana Carneiro