Os nomes dos dias da nossa semana viraram quase todos feiras, perdendo toda a magia dos nomes que já tiveram, o que foi um empobrecimento. Mas isto é outra história de que se pode falar numa qualquer outra altura.
Hoje estamos numa quinta-feira, e é o dia 10 de Janeiro, dia em que se celebra a memória de S. Gonçalo de Amarante. Bem decerto que foi ele aquele primeiro artista que originou a tradição de que Amarante é terra de artistas, tradição bem confirmada, uns sete séculos depois, por Teixeira de Pascoaes, Agustina de Bessa-Luís e Amadeu de Sousa Cardoso. Mas interessa-nos é o Gonçalo.
A história não nos diz que Gonçalo tivesse sido mesmo artista. Mas eu acho que ele o foi no seu viajar vagabundo, e na arte de evangelizar as terras de Entre Douro e Minho – coisa que não deve ter sido fácil, sendo gente tão bravia, e apegada a ritos pagãos, quase todos tão bonitos. Mas no que eu mais me baseio para o considerar artista é no facto de ele ser, ainda hoje, elemento relevante da identidade cultural de Amarante: de facto, ele não é só Gonçalo, mas Gonçalo de Amarante, unindo os dois nomes num; e também não é só Santo, mas santo casamenteiro, louvando o amor humano; e, ainda, porque sendo Santo, é um santo folgazão, louvando a alegria na terra.
E foram estas facetas, de Santo casamenteiro e de Santo folgazão, as que mais se arreigaram na memória popular. Não sei bem se ele era assim, ou se assim o povo o criou. Mas a verdade é que ainda agora o povo honra essas facetas, nos seus cantares mais brejeiros do folclore popular.
Vou dar apenas dois exemplos, que toda a gente conhece, para mostrar que também sei. Mas acrescentar aos exemplos umas notas explicativas, só por causa das más línguas, e também das mentes perversas. Ora vejam lá então:
S. Gonçalo de Amarante
Que estais virado para a Vila
Vira-te para o outro lado
Que te podem ver a grila. (1)
S. Gonçalo de Amarante
Casai-me que bem podeis
Já tenho teias de aranha (2)
Naquilo (3) que vós sabeis.
......
Notas desnecessárias, apenas para mentes perversas:
1 – A palavra original é pila, palavra que eu censurei, substituindo-a por grila; é que a palavra pila é uma ambiguidade, de geometria variável, e eu temi que as tais mentes depravadas pegassem nessa ambiguidade e lhe ampliassem a geometria até pontos que eu nem sei, nem quero imaginar sequer; sei também que corro riscos tendo pegado na grila, que é a fêmea do grilo; é que, como puderam ver em textos anteriores, eu falei na passarinha, a fêmea do passarinho, e viram que as mentes perversas viram lá uma outra coisa, que não a casta esposa do humilde passarinho.
2 – Teias de aranha são simplesmente teias de aranha; é uma questão de higiene; é uma questão de asseio; é uma questão de limpeza; bastaria uma vassoura; ou será que não há vassoura?; mesmo assim ouso dizer, para clarificação definitiva, que aquelas Teias de aranha não são armadilha de caça, ou sedução oferecida.
3 – O aquilo que está no Naquilo é algo de incompreensível; trata-se de um pronome que não se refere a nenhum nome; por isso não se percebe; mas eu não me admiraria muito, se as tais mentes perversas vissem naquele aquilo a tal outra passarinha que viram em textos anteriores; seria uma aberração, mas eu já disse que não; mas mesmo assim tudo é possível.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
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7 comentários:
Quer-me parecer que você tem afinidades com o Santo.
E você anda cheio de boas intenções, porque depois da passarinha veio com o aquilo que lhe faz falta e que ela agradece.
Obrigada pelo Santo e pelo aquilo que não sei se também será uma alegoria.Consigo nunca fiando.
Acredite que o texto me fez rir a valer.Só o tempo é que pode saber estas estórias todas e contá-las desta maneira.
´Não sei quem é o Botafogo,mas deve ser um furacão, a avaliar pelo comentário que deixou.
Continue com a sua ousadia e escreva, escreva e tire as suas alegorias cá para fora.
Obrigada pelos momentos de boa disposição que me tem proporcionado.
Não cheguei a perceber bem o que era aquilo, apesar das explicações em notas de rodalivro.
Importa-se de ser mais explícito?
Beijo de sexta que é o melhor.
Botafogo!
Que tenho afinidades com o Santo, isso deve ser verdade. Como ele também sou santo, ainda não certificado; como ele corro os povoados, andando de vale em monte, ainda de gente bravia. Mas há essa outra parte em que me distingo dele: não sou nem casamenteiro, nem sequer um folgazão, que isso pode levar à tentação do pecar. E eu isso só posso fazer depois de ter garantida a compra do certificado que me ateste a santidade.
Ora, sendo eu um santo, sem sêlo de garantia, tenho que ser sempre exemplo de pessoa bem intencionada.
Consigo a coisa é outra. Você é um ser de malícia, que me acusa de ter vindo até aqui, trazendo uma passarinha. Isso não é verdade. Eu só trouxe uma avezinha, uma avezinha inocente; e, apenas por curiosidade, pus-me só a indagar se essa delicada avezinha era passarinho ou passarinha. Mais nada. Nem mesmo insinuação.
Mas não contente com isso, vem você aquitambém dizer que eu trouxe à passarinha aquilo que ela queria. Ora, isso não pode ser, que eu nem tão pouco sei o que quer a passarinha.
Quem para aqui trouxe a passarinha, e aquilo que ela quer, e seja lá isso o for, foi você e não fui eu. Por isso terá de contar a quem o quiser saber, o que é isso da parssarinha, e o que é o que ela quer.
Não me atire com malícias a que eu serei alheio, por via da santidade. Eu limitei-me a dizer aquilo que o povo diz ao S. Gonçalo maroto, fingindo-se distraído: que se vire para o outro lado, que lhe podem ver a coisa.
Viva a minha inocência, e viva também a malícia que S. Gonçalo tinha, e agora lhe deu a si.
:-)
Este é o tempo :-) !!!!!!!
Cara Isabel:
Que insinuação é essa de que não se pode fiar, total e absolutamente, nesta minha santa pessoa? Ou será que você quer que eu lhe devolva já tão grave acusação, como fiz ao Botafogo, esse sim, um passarão?
Você é muito esperta, dizendo que não sabe bem o que é que aquilo é. Claro que você sabe, mas eu vou ser mais explícito: aquilo é exactamente aquilo que aquele aquilo é.
E não teime em perguntar, que aquilo tem que se lhe diga.
:-)
Caro anónimo!
Você diz que este é o tempo. E é bem capaz de ser. Mas, como você vem anónimo, pode bem acontecer que o tempo seja você.
:-)
Viva!
Vim ter ao teu blog através de uma breve pesquisa na internet acerca do santo em questão. A verdade é que estou a fazer um trabalho académico para uma cadeira de literaturas orais e marginais e gostava de saber se conheces mais algumas quadras semelhantes às que citas, que eram já do meu conhecimento. Deixo aqui o meu mail caso me queiras contactar: xuanita@gmail.com
Obrigada!
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