segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O responso

Foi um destes dias. Estava uma tarde de inverno soalheira e linda. Pus-me lá no alto a vaguear pela vinha, que chamava por mim. Caídas as folhas, aquelas vides começam logo a reclamar de mim afagos de mão: não gostam de se expor desgrenhadas; querem-se aprumadas; querem-se penteadas. Não sei quem lhes disse, mas elas sabem bem, que, a partir de sexta-feira, solstício de inverno, os dias já crescem e o sol já caminha para ângulo mais alto, e elas sabem-se de novo meninas à espera do noivo que está para vir.
Estava eu nestas conversas íntimas entre mim e elas, quando me sento, sem saber porquê, naquela laje de granito, por debaixo do carvalho grande, abrigada do tempo. Batia-lhe o sol. Fiquei ali pensando. E foi então que me lembrei das muitas vezes em que duas velhinhas me contavam histórias, sentadas naquele mesmo penedo raso, no verão à sombra, no inverno ao sol.
Numa dessas muitas, sei que discutiram. E discutiram muito, pois que cada uma contava a mesma história, com as mesmíssimas palavras. Mas acontecia que - ora na versão de uma, ora na versão da outra -, algumas palavras mudavam de sítio, sem que se alterasse nada. Que não podia ser - dizia uma e outra -, acrescentando sempre que a outra não sabia nada. E eu que dissesse quem tinha razão -, diziam depois .
Vi-me e desejei-me para dispor as exactas palavras que elas ambas diziam, sem acrescentar nenhuma, sem retirar nenhuma , e mantendo o ritmo de ladainha -, que, quando as mudava elas logo em coro diziam contra mim, que assim não valia. Depois de muito teimar, eu lá consegui que elas dissessem que assim talvez.
Disse-lhes, então, que me ia embora, mas elas não deixaram, dizendo à uma: - Temos que rezar a oração todos os três juntos que é para ver se ficou como é. E lá rezámos uma, e não estava bem; e lá rezámos duas, e não estava bem; e lá rezámos três, e não estava bem.
Eu já não podia mais e barafustei: - Então as palavras não estão bem?; - As palavras estão. Tu é que não as dizes bem! Tu és muito esperto, mas há certas coisas que são como são.
Eu, cabeça dura, só nesse momento é que percebi que aquilo não era história, mas sim oração - que se chama responso -, e que eu tinha de dizer as palavras exactamente como elas as diziam. E, então, recomeçámos, nós todos três à uma, e em ritmo cantante de ladaínha:

Sant'Antone de Lisboua
Se bestiu e se caurçou
O Senhor l'aperguntou:
- Tu, Antone, adonde bais?
- Eu, Senhor, cumbosco bou.
- Tu comigo num irás!
Tu na Terra ficarás!
Q'antas missas se disser,
Q'antas tu ajudarás,
Q'antas cousas se perder,
Q'antas tu incuntrarás.

(Padre nosso e Avé Maria)

Repetimos tudo outras três vezes, que dito assim já estava bem, e se já estava bem já era oração, e se já era oração tinha que ser como era, e era três vezes, incluindo sempre o Pai Nosso e a Avé Maria inteirinhos, e sem enganos. Assim mo disseram elas. E assim se fez.

9 comentários:

Anónimo disse...

Vai ter que rezar muitos responsos,
ou então vender a alma ao diabo ,que é o que os fingem inteligência, de crista levantada, e miolos de trimpa( acho que me enganei na vogal!),caso pretenda chegar ao paraíso envenenado.
Até lá.

Anónimo disse...

Umas velhinhas tão sensatas a ter que lidar com uma cabeça dura como a sua, certamente já estão no céu e você ficou , de castigo, num inferno, não de brasas(Que essas aquecem e sorriem(:-)!),mas num solinca gelado por dentro e por fora.Veja lá!!!!!!

Anónimo disse...

Balha-nos Déus,balha.
Sant'Antone de Lisboua
Tibe munto que penar
Cum tanta tarefa de Déus
Pró mundo bir respunsar.

TempoBreve disse...

Olá, Galileu!

Claro que farei muitos responsos. Que remédio! Ele anda tanta coisa por aí perdida que!
Caso os responsos falhem, há sempre essa hipótese infalível que você aponta: a de vender a alma ao diabo. Eu até acho que já a vendi, embora não me chame "Fausto".
Mas olhe cá uma coisa: ao diabo, posso vender a alma; mas aos pobres diabos, em cujos cérebros circula a trampa, a esses não. A esses nunca.´
Como está você?
Até breve.
:-)

TempoBreve disse...

Olá, Ice!

O "ice" não é muito de vergar, pois não?
Sim. As velhinhas eram sensatas. E muito teimosas. E eu quase tão como elas. Eram amorosas. Se houver céu, estarão lá.
Eu até fui tão paciente com elas! E tratei-as tão bem! Como posso, então, sofrer o tal castigo de que você fala?
Tentarei não ficar frio por dentro e por fora. Mas há que tomar cautelas. Lá isso há! Que o mundo anda frio. Mesmo muito frio. E quase ninguém vê. Mas isso só faz crescer a necessidade de se acenderem brasas; dessas que aquecem; dessas que sorriem; como você diz.
Obrigado pela vinda.

TempoBreve disse...

Caro anónimo!

Não seja céptico! Santo nunca pena.

Será que Deus perdeu o mundo e agora o quer reencontrar, mandando Sant'Antone para o responsar?
Eu acho que não: Deus não perdeu o mundo; mas, se o tivesse perdido, teria um alívio tal, que evitaria todo e qualquer esforço para o achar.
Mas Deus não o perdeu, que ele, o mundo, ainda aqui está; ainda aqui está, mas não está seguro, que nós, os humanos, tudo fazemos a ver se o perdemos; e nem nos lembramos que, quando o perdermos, nos perdemos também.
Estou só a brincar, claro! Temos os senhores do mundo a zelar por nós. Podemos pastar e dormir que eles, os senhores do mundo, velam por nós. É assim, não é? Ora está a ver como é?
:-)

Anónimo disse...

A Dona IBEL já lhe falou dos Campos!E contou-lhe como viemos cá contar?
Olhe, eu cada vez me perco mais no tempo e nas sais, mas sempre vou descobrindo qualquer coisa. Esta do Santo António não percebi nada.
Ãinda tem a ver com a história do macaco ou com a da coelha.
Dê lá uma pista, que aqui anda tudo curioso.Só não lhe digo o aqui
porque ela deve ter dito tudo.
Abraço

TempoBreve disse...

Caro J. Miguel!

Sim, a Ibel disse-me que sabia quem eram os Campos. Mas não me disse como é que vocês tiveram a amabilidade de virem para aqui dar-me o prazer de contar.
Não se preocupe com isso de se perder no tempo e nas saias. Que é que esperava? É muito normal, e até apetecível, não acha?
Peço desculpa pela descontinuidade dos textos. Na verdade, salto duns assuntos para os outros e do Tempo para as Peles, o que pode causar algum desentendimento. Mas, com tempo, tudo se resolve.
Leia o que está agora nas Peles, e pode ser que já entenda aquilo do responso. Quer que escreva aquilo em linguagem corrente?
Sim. Tem também a ver com a história do macaco. Vá às "Saias", vá!
Não sei qual é o "aqui". Mas se a Ibel tiver a ver com isso - e pelos vistos tem -, então estou bem servido. Ai, estou, estou.
Um abraço, sim?
Obrigado por ter vindo.

Anónimo disse...

tinha que aqui deixar um testemunho,..,desde pequena que ouvira dizer quando perdes uma coisa responsa-a a SANTO ANTONIO,se quando estiveres a responsar te enganares, é sinal que não ira aparecer, mas se a oração conseguíres orara sem te enganares o objecto aparecera,.., queria ainda acrescentar que se o objecto for roubado ele 'parara'...
mesmo que não acredite quando perder algo response-o a santo antonio , e tirara as suas proprias conclusões..EU AFIRMO, REZANDO COM FÉ O OBJECTO APARECERA ,..., não critico quem não acredita, critico sim quem fala sem saber, e não respeita a fé dos outro.